Depois do fiasco contra a Alemanha na última copa e do fraco desempenho sob a batuta de Dunga, a Seleção Brasileira de Futebol parece estar achando seu caminho. Assim sendo, o verde-amarelo da camisa de nossos jogadores volta a empolgar torcedores.
Expectativas, críticas às convocações, a eterna disputa com a Argentina, o medo de que equipes menores possam surpreender, o receio de enfrentar seleções famosas e maceteadas, tudo isso faz parte do dia a dia dos papos em esquinas e mesas de bar. O esporte trazido por Charles Miller par o Brasil, enfim é papo recorrente.
Causos também. Há muita coisa interessante no anedotário do futebol Brasileiro.
Quase todo cidadão boa-vistense com mais de quarenta anos conheceu Áureo Cruz. Nem que seja de ouvir falar. Elegante, galanteador, ele era uma espécie de príncipe no reino da Macuxilândia.
Nascido de família abastada, as poucas vezes em que trabalhou foram para tirar algum proveito social ou investir em nova paquera. Áureo, entre outras coisas, foi diretor e locutor da Rádio Difusora Roraima. Apaixonado por esportes, fazia parte da Federação Roraimense de Futebol e do quadro de árbitros local; Áureo, também, era torcedor fanático do Atlético Roraima Clube.
Estádio João Minieor, alguma tarde dos anos 1960. Lotado. Mais de 30 pessoas ocupavam o palanque coberto de zinco; umas 80 se aboletavam no alambrado de madeira que isolava o campo de terra. De terra não: de barro. Naquele tempo, não existiam gramados em Boa Vista. O povo esperava o início do clássico: Baré X Roraima. Só havia dois clássicos no território: Baré X Roraima ou Roraima X Baré.
O primeiro tempo da partida terminou zero a zero. O segundo seguia modorrento. Os atletas suavam a cachaça ingerida no sábado; estavam amis pra tomar água do que pra correr atrás da bola. Aos 32 minutos, Roberto recebeu um lançamento e, de trivela, chutou contra a meta guardada por Guilherme. Mário Rocha acordou para mexer no placar.
Áureo Cruz, o árbitro, se desesperou. Ameaçou até expulsar o bandeirinha que não tinha marcado o off side¹. Do reinício do jogo até o fim dos 45 minutos regulamentares, o Baré prendia a bola e administrava a vitória. A torcida alvi-rubra festejava a conquista do troféu Governador do Território.
Quarenta e seis minutos. O árbitro, sem encarar o público, deixava a bola rolar. Quarenta e oito, quarenta e nove, 50 minutos. Abdala Fraxe ameaçava invadir o campo. Aos 57 minutos, Tracajá roubou a pelota do center half² barelista e, morrendo de cansaço, chutou contra a meta de Zé Maria. Chute chocho. O goleiro escorregou, caiu e a bola entrou. O árbitro sorriu e deu um pulo com a mão fechada para cima; em seguida, recolheu a redonda e apitou o fim da partida. Pronto. A final do torneio ficou transferida para o próximo domingo.
Protegido pelos guardas territoriais, Maxixe, Duca, Coivara e Cento-e-seis, o juiz cruzava o portão do estádio sob protestos da torcida do Baré, quando Antônia Mariê aproximou-se de Áureo, meteu-lhe o dedo na cara e disparou:
- Juiz ladrão!!!
Áureo, com empáfia, antipatia, imponência, prepotência e ironia, respondeu à torcedora:
- O juiz pode ser ladrão, mas é soberano.
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off side¹ - impedimento.
center half² - meio de campo