O sul do Pará andava movimentado. Garimpeiros desenganados por riquezas de Serra Pelada procuravam ocupação, sobrevivência. Às margens de estradas mal feitas e perigosas, pipocavam novos núcleos habitacionais. Uma mercearia, um lugar que vendesse qualquer tipo de comida e um puteiro eram o suficiente para dar origem a uma nova cidade.
Em Rurópolis, seu Manel se destacava como o maior empreendedor. Vendo derrubadas de enormes árvores – suas e à sua volta – comprou duas serras circulares e montou madeireira. Em seguida, comprou desempenadeira, tupia e plaina e montou movelaria. Móveis toscos, mas móveis. Para não desperdiçar aparas de madeira, seu Manel decidiu montar funerária que seria explorada por seu único filho, Tuisca.
Tuisca reclamava da falta de clientes para a funerária. No mês de agosto, ele se lembrava que o último caixão feito tinha sido para dona Merandolina, em fevereiro, serviço pelo qual não recebera, pois a gorda senhora era sua comadre e ele teve vergonha de apresentar fatura para o viúvo. E olha que, para acomodar quase 200 quilos da matrona, o caixão levou muito freijó.
Tragédia! A caminho de Itaituba, na saída de Rurópolis, uma caçamba capotou. Mais de 50 feridos, 14 mortos. O prefeito do município tomou providências para que os peões tivessem enterros decentes. Depois de reunir-se com delegado, médicos, padre e pastor, determinou que seu Manel fabricasse caixões para os desgraçados que tiveram o azar de morrer naquele fim de mundo.
Seu Manel e Tuísca festejaram. Em um só dia, venderiam mais caixões do que venderam nos últimos cinco anos. Garantindo pagamento antecipado, compraram combustível, contrataram peões e largaram o pau a construir ataúdes.
Com os caixões acomodados em surrado Mercedes 1111, o pessoal chegou ao galpão onde estavam, lado a lado, os cadáveres. Combinados sobre o sistema a ser usado no reconhecimento e acomodação, seu Manel gritava: “Aroldo Pinheiro de Souza!” Tuísca, entre os corpos, localizava o nominado e, ironicamente,respondia: “Presente!” O corpo era acomodado em caixão e recebia papel de identificação.
Um, dois, três, oito defuntos reconhecidos, prontos e acomodados em seus respectivos paletós de madeira; seu Manel seguia na chamada: “Moisés Brasilino Filho!” Tuisca se aproximou de gordo, careca e feio defunto, vestindo estranha calça rosa de lycra, camisa em azul degradê, com lenço de seda ao pescoço, e respondeu: “Presente!”
Ao tentar arrastar o corpo, ouviu um sussurro efeminado:
– Moço, eu não tou morto...
– Papai, venha cá: esse cara diz que tá vivo! – Apavorou-se Tuísca.
Seu Manel, papéis à mão, aproximou-se e ouviu o caboclo bodejar:
– Eu tou vivo.
– Vivo? Tu tá doido? – Questionou seu Manel, com medo de ter que devolver dinheiro por caixão não utilizado e, vendo o jeito estranho daquela aberração, acrescentou: “Olha, mana, tu pelo menos sabe escrever?” O empresário suspirou, puxou o moribundo pelos braços, acomodou-o no ataúde e encerrou: “Moisés, o doutor estudou muito pra se formar e disse que tu tá morto; o papel que o doutor assinou diz que tu tá morto... Agora, tu quer discutir com o doutor e com o atestado de óbito? Tu tá morto e vai ser enterrado, pronto!”Com dificuldade, acomodou o gordo no caixão, jogou-lhe a tampa em cima e determinou:
– Tuisca, aparafusa aí bem apertado, pois parece que esse qualira é meio teimosinho!
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