"Mais um que se foi ou menos um pra contar a história?" Se ele pudesse comentar a própria morte, era assim que ele falaria. Irreverente, inteligente, língua afiada, Nelson da Costa morreu e há de fazer falta.
Integrado à vida boa-vistense, entre uma e outra cachimbadas, o filósofo gostava de dizer: "Metade dos advogados não gosta de mim; a outra metade me odeia". Claro que era puro exercício de bom humor. Nelson da Costa era querido até por quem não gostava dele.
De manhã, ao receber um bom-dia, o gaúcho de Santa Maria respondia: "Mal dia". Hoje, alguns de seus pares contavam essa e outras tiradas do Cachimbão.
Hóspede mais antigo do Hotel Lobo D'Almada, na avenida Benjamin Constant, Nelson da Costa dizia que vivia sozinho, mas não era solitário. E justificava: "Não posso me sentir solitário num lugar onde conheço todo mundo e todo mundo me conhece".
Ele não refrescava. Se inspirado, soltava o verbo. Lembro-me que, numa manhã ensolarada dos anos 1980, embusca de algo para incrementar o almoço de domingo, dirigi-me ao bar do Neir, onde Nelson da Costa fazia ponto. Desci de mãos dadas com meu filho, enquanto Maura, minha mulher permanecera no carro.
Daniel, magrinho, sambudo, catarrento, não era nenhum ícone de beleza infantil. Agravante: naquele dia, eu havia raspado os cabelos de meu garoto e lhe aplicado permanganato de potássio para combater umas piras que haviam surgido em seu couro cabeludo.
Ao ver-me com "aquela coisa" que eu chamava de filho, Nelson da Costa puxou uma cachimbada e gritou:
- Aroldo, leva esse menino na LBA pra pegar umas latinhas de leite!
Ouvindo aquele comentário, Maura, soltando fogo e fumaça, saiu em defesa da cria:
- Quem é esse filho da puta que está falando mal de meu filho?
Apressado, antes que a coisa virasse confusão, intercedi:
- Calma, mulher... Esse é simplesmente o meu amigo Nelson da Costa.
Em alguns de nossos encontros, essa história foi lembrada com gargalhadas.
Alguns meses atrás, na última vez que me encontrei com Nelson da Costa – leitor assíduo do Roraima Agora – convidei-o para escrever crônicas mensais para este jornaleco. Nelson morreu sem me dar resposta.
Sem choro, sem vela, como acho que ele gostaria que fosse, dou adeus a Nelson da Costa: "Tá com medo de morrer? Vai sem medo, amigo".