O ano era 1969, finalista no Ginásio Euclides da Cunha, numa tarde em que faltei à aula, colegas meus tocaram o terror e vandalizaram a escola – coisa de meninos maluvidos. Enciumado por não ter participado do quebra-quebra, fui à escola e roubei, do hall de entrada, a imagem de uma santa que Padre Calleri havia doado para o GEC pouco antes de morrer. Joguei a santinha na carroceria de um caminhão toreiro que por ali passava naquela hora.
Para não prejudicar toda a turma, confessei o mal feito. Como pena, fui transferido para o turno da noite – em que só estudavam adultos –, tiraram-me o direito de recuperação se eu me saísse mal em alguma matéria e me obrigaram a assisti r missas diárias, às seis horas da manhã, durante um mês. Confessando e comungando. Ah, devolução da santa estava no pacote.
Por meio de Cícero Cipó-de-fogo, caminhoneiro que conduziu a santinha para sua última viagem, fiquei sabendo que a imagem tinha sido jogada nalgum lugar, dentro da mata, na região de Mucajaí. Logo, o resgate seria impossível. Padre Mauro relutou, mas aceitou a justificativa para a não devolução.
Imagino que nestes anos, a imagem da santinha tenha sido carregada por enxurradas para algum igarapé e, por correnteza haja chegado ao rio que banha o município de Mucajaí.
Como minha mente é fértil, penso que, talvez, algum dia, pescadores lancem tarrafa no rio Mucajaí e, em vez de peixes, pesquem a imagem de polietileno da santinha que joguei na carroceria do Cipó-de-fogo. Dadas as facilidades que nossos homens têm de atribuir natureza sobrenatural a fatos comuns, imagino que, depois de resgatada por pescadores, padres construam um santuário para Nossa Senhora Aparecida de Mucajaí e deem início a um polo turístico de romaria em nosso Estado.
Pronto, minha mãe: não me tornei padre como a senhora queria, mas, dependendo de acontecimentos, posso me tornar um milagreiro.