“Estamos aqui esperando algum candidato pra comprar votos, mas até agora nada”, diz, sem cerimônia, Tiago, 18 anos. É a segunda vez que ele exercerá o direito de votar. “Na última eleição [para governo, em 2014], eu ganhei 200 reais, mas não votei no candidato”, conta esboçando sorriso de quem deu calote no político corrupto. Era sua primeira vez nas urnas e ele já cometia crime eleitoral.
Milécia,18 anos, e Iago, 16, são eleitores estreantes e ainda não tinham candidatos a vereador. “Ninguém deu dinheiro”, revela Milécia, desacorçoada. Ali, nenhum deles tinha escolhido em quem votar para vereador.
Iago não sabe, mas faz parte da estatística de crescimento em 17% no número de eleitores jovens com voto facultativo – 16 e 17 anos – no Estado de Roraima. Conforme aponta o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2012, eram 10.726; este ano, são 12.549 aptos a votar.
“Se derem dinheiro, a gente pega. O dinheiro é nosso mesmo. Eles roubam da gente”, diz cheia de razão a companheira de vigília, Lizandra, 18 anos. “Tenho dois filhos [um de 3 anos; outro de um] para sustentar”, justifica.
Confiantes, os dez jovens do Cidadão não tinham hora para se recolher. A esperança era que algum candidato passasse entregando “santinho” enrolado em uma “oncinha” ou uma “garoupa”.
A cena não era isolada no bairro. As ruas estavam recheadas com cadeiras em frente às casas. Famílias conversando, homens e mulheres ingerindo bebida alcóolica, crianças correndo na rua.
Pérolas, um comércio abundante de votos
Andar na periferia de Boa Vista é descobrir uma cidade nova; alguns bairros já contam com infraestrutura organizada: drenagem, asfalto, calçada, sarjeta e iluminação pública. Ainda assim, não é possível reconhecer a cidade como uma só.
Quem mora em um dos sete conjuntos do Pérola do Rio Branco - maior área residencial do Programa do ex-governo do Partido dos Trabalhadores (PT), o Minha Casa Minha Vida, sabe que até notícia ruim demora a chegar por lá.
Os conjuntos Pérola e Ajuricaba formam um dos bairros mais novos da cidade, o Airton Rocha. Por lá, vivem 1.564 famílias, conforme estatística do programa Braços Abertos da prefeitura. O acesso à internet é limitado a quem pode pagar um plano para poder acessar ao aplicativo de mensagem WhatsApp. Rádio e televisão ainda são os meios de comunicação mais rápidos. E carros de som em época de eleição.“Mas passam lá na outra rua. “Eles [candidatos] não vêm nessa rua não. Acho que é porque é a última”, reclama uma moradora, que se recusa a se identificar. Ela mora na avenida Uiramutã no Conjunto Pérola 7.
Era quase uma da manhã de domingo e a cidadã, com a filha Estéfane Nunes, 20 anos, que sustentava seu caçula de dois anos de idade dormindo no colo, e a nora, conversavam amenidades à frente de casa. “Tenho oito votos aqui e não veio um só candidato”, responde a anônima ao ser questionada pela reportagem sobre o assédio às vésperas das eleições. “Eu só queria um emprego”, pontua.
Estéfane, ao contrário da mãe, não teve a preocupação de esconder o nome. Ela não reconhece que aceitar dinheiro em troca de voto é crime. “Não estou vendendo meu voto. Se eles [candidatos] me derem dinheiro, eu aceito, mas voto em quem eu quiser. Estamos pegando o que é da gente. Já roubaram o suficiente”. Ela está desempregada e tem três filhos: de sete, seis e dois anos.
Em outras ruas do bairro, mais moradores sentados em frente de suas casas. Crianças brincando sem brinquedos, muita gente consumindo bebida alcóolica, aparelhos de som ligados acima dos decibéis permitido pela lei atrapalhando o sono de quem já havia se recolhido para dormir. Esse era cenário da periferia de Boa Vista na calada da noite de sábado para receber o domingo.
Apesar da clara oferta da venda do voto, a reclamação era uma só: não havia compradores. E se existiam, estavam mais preocupados com o rigor da lei, não se aventurando num mercado vulnerável. “Recebi uma ligação dizendo de uma casa que tem sete votos. Querem a presença dele [candidato] lá”, avisa uma cabo eleitoral sem se dar conta que estava diante de uma oferta de compra de votos.
Segundo a Polícia Federal, nas eleições de 2010, estados da Região Norte lideraram o número de apreensões por suspeita de compra de votos. Roraima foi campeão: quase três milhões de reais foram apreendidos.