Segunda, 01 Março 2021 04:38

    O império de um cavador de valas

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    O império de um cavador de valas Pablo Felipe

    Uma muda de roupa, lençol e uma rede. Esse era todo o patrimônio de Ciariba, um dos empresários mais bem sucedidos no Estado de Roraima

    Em esquina da Major Williams, uma das avenidas com metro quadrado mais caro de Boa Vista, prédio imponente, com pé direito alto e bem iluminado, ocupando nove lotes - quase metade da quadra - chama a atenção de quem passa pelo local. Letras garrafais com o nome do empreendimento apresentam o império construído na força de enxada e picareta pelo cearense José Hamilton Batista, 66 anos.

    A história de sucesso começou na pequena Jaguaruana, sertão do Ceará, quando o filho de Rosa Amélia e José Gomes, tinha 22 anos. De lá, trouxe apenas uma muda de roupa, uma rede e um par de sandálias – perdido no meio do caminho. José Hamilton e mais uma penca de nordestinos fugiam da seca e da sina de nascer, crescer e morrer na pobreza do agreste brasileiro.

    Depois de quase naufragar em barco no rio Amazonas, o retirante chegou de avião ao território federal de Roraima em 17 de março de 1972. Descalço, com a boroca em punho, saiu em desatino à procura de trabalho.

    “Cheguei numa sexta-feira à tarde. No sábado, já fui caçar emprego. Trabalhei descalço”, recorda, sentado sob o conforto do escritório em piso superior de sua loja. “Na construção civil, fui servente por mais de um ano. Depois, passei seis meses cavando vala pra Caer [Companhia de Águas e Esgotos de Roraima]. Mudei pra limpeza de quintais porque dava mais dinheiro”, conta com a mesma simplicidade de quando chegou a Boa Vista, há mais de 40 anos.

    Um José no meio de tantos Josés

    José Hamilton Batista galgou a pirâmide social, saindo da extrema pobreza para ser hoje um dos homens mais bem-sucedidos da capital roraimense, usando a própria matemática: “Só gastar 30% do que ganhar; os 70% restantes são pra investir”.

    Até hoje, faço isso”, garante. A contabilidade deu certo. Hoje ele é dono da maior loja de tintas do Estado, possui lista de imóveis com alguns edifícios alugados e uma fazenda de encher os olhos. Em seu roteiro turístico, viagem feita a Las Vegas, Estados Unidos, é a sua preferida.

    Simpático, espirituoso, engraçado, José Hamilton viaja com a família pelo menos uma vez por ano. Até nesses passeios, mostra simplicidade: “Em nossa última viagem, a Fortaleza, ficamos em hotel chique e, para satisfazer minha esposa, comemos em muitos restaurantes de primeira. Mas eu gostava mesmo era de ira pruma birosca onde serviam arroz, feijão peixe e farinha por R$ 8 o pê-efe. Não era por economia, é que eu gosto de comer o que eu gosto”, conta com humor.

    Mesmo sendo dono de invejável patrimônio, o empresário conserva a mesma rotina de 34 anos atrás: trabalha de segunda a sexta-feira, das 8h às 12 e das 14h às 18h; no sábado, cumpre expediente até o meio-dia, igual a seus mais de 40 funcionários.

    Nasce um Ciariba

    Depois de ter pegado no cabo da enxada, cavado vala, juntado uns trocados, José Hamilton cismou que ia ser motorista de táxi. Para quem chegou só com um banda do chinelo em Boa Vista, ter um carro nos anos 1980, auge da inflação brasileira, era ousadia demais. Não para o obstinado cearense. “Aprendi a dirigir e fui trabalhar na praça como taxista, ganhando comissão”, conta. Usando a máxima dos “30% eu gasto, 70 % eu guardo” comprou seu primeiro carro. “Um Aero Willys. Fiado”, faz questão de dizer.

    Entre colegas taxistas, era conhecido como “Ceará”, mas a alcunha não o agradava. Era marrento. “Eu disse: melhor vocês colocarem logo um apelido, foi quando começaram a me chamar de Ciariba”, diz.

    O encontro com a tinta

    Um acidente de automóvel levou-o a constatar uma falta no mercado: tinta automotiva. Mas o que isso tinha a ver com o taxista, já bem instalado ganhando todo dia os seus cruzados? Inquietude de um retirante. “Naquele tempo, no ramo pesado, só existiam a Casa Cruzeiro e A Bandeirante [estabelecimentos que vendiam tintas]. Não existia nenhuma loja de tintas automotivas”, recorda. A própria necessidade acabou impulsionando o cearense a arriscar as economias no primeiro empreendimento comercial. “Fui a Manaus, comprei algumas latas de tinta branca - porque era o que o mercado precisava – aluguei um ponto comercial na Ville Roy [uma das avenidas mais caras de Boa Vista] e abri a loja ‘Mundo das Tintas’”. O negócio, em sociedade, rumou para empresa individual e passou por oito endereços até se firmar onde está hoje.

    O homem não para

    Apesar do tamanho do prédio e de suas muitas seções, Ciariba faz questão de visitar cada uma das áreas de seu comércio para sentir deficiências e corrigi-las. Durante o expediente, desce muitas vezes até o balcão para conversar com a clientela e, claro, ver como trabalha sua equipe.

    No show room da imensa loja, entre latas de tinta e acessórios para construção, destacam-se cisnes de fibra de vidro: são pedalinhos desses que se usam em balneários. Questionado sobre a possibilidade de vendê-los, Ciariba responde: “Comprei isso porque me fizeram boa proposta. Deixa aí: pode ser que, numa hora dessas, alguém queira comprar”.

    Na avenida São Sebastião, um dos novos polos comerciais da cidade, um enorme prédio está pronto para ser inaugurado. Fazendo um pouco de mistério, Ciariba diz não ter certeza se, ali, vai abrir filial da Tinrol.

    Se garantindo com vendas no balcão

    Em tempos de crise, Ciariba se diz um privilegiado. Mesmo admitindo que suas vendas caíram em cerca de 30% nos últimos meses, se orgulha de dizer que não recorre a bancos para fazer empréstimos, que não vende para governos, e que seu cliente está no balcão. São pessoas que procuram a loja para construir a casa própria, reformá--la ou ampliá-la. “Sou cliente do mesmo banco há mais de 30 anos. Não tenho financiamento, não uso crédito”, revela orgulhoso.

    Na avaliação do economista Dorcilio Erik Souza, o fato de o empresário não precisar fazer uso de empréstimo é benéfico, tendo em vista não ter que pagar juros pelo uso do capital. “O ideal é poupar parte do que arrecada e reinvestir boa parte para continuar ofertando produtos no mercado. Se ele consegue manter um percentual de poupar 70% do que arrecada, isso demonstra que sua empresa está com saúde financeira mesmo nesse momento de crise econômica”, conclui.

    Reportagem publicada em 14 de dezembro de 2015

    Fotos: Pablo Felipe  - Manipulação da foto de capa: Flávio Mendes

     

    Lido 1925 vezes Última modificação em Segunda, 01 Março 2021 04:57
    Eliane Rocha

    Eliane Rocha é jornalista formada pela UFRR. É pós graduada em assessoria de comunicação. Já recebeu mais de 10 prêmios jornalísticos em Roraima.

    Eliane Rocha
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