Quando Mariana ainda era minha única filha, eu gostava de deitar-me a seu lado e contar-lhe histórias para fazê-la dormir. Mas eu não me prendia a historinhas destinadas ao público infantil não e criava aventuras em que normalmente eu saía como herói. Lutei com ursos, tigres, onças, crocodilos, enfim, matei mais feras que o próprio Jim das Selvas.
Um dia, contei-lhe que estava no Circo Orlando Orfei e, quando o domador sofreu um ataque de coração, vi-me obrigado a entrar no enorme engradado do picadeiro, apoderar-me da banqueta e do chicote do profissional desmaiado e enfrentar os enormes e bravos felinos até que o dono do circo surgisse para controlar a situação. Nunca imaginei que o Orlando Orfei, o maior circo em atividade na América do Sul de então, viesse a nossa cidade. Pois veio. Quando minha filhota, então com quatro aninhos, assistiu a anúncios da trupe, perguntou-me se "esse não era aquele circo em que eu tinha domado os leões". Confirmei, claro. Resolvi levar Mariana para assistir ao espetáculo circense. Na entrada, vi Orlando Orfei, vestido com reluzentes fraque e cartola, dando boas-vindas aos pagantes e resolvi encompridar minha heróica aventura. Afastei-me de minha filhota, cumprimentei o dono do circo e pedi-lhe, sem dar-lhe tempo para contestação, que, em seguida, respondesse positivamente às perguntas que eu lhe fizesse. Com Mariana nos braços, aproximei-me de Orlando Orfei e pergunteilhe se ele se lembrava do dia em que o domador desmaiou e eu tive que me virar para controlar os leões. O italiano deve ter sacado minha ideia, pois, com um sorriso maroto nos lábios, disse que "se lembrava sim".
Atualmente, em reuniões de família, nos divertimos relembrando essas e outras histórias da infância de meus filhos.
Aroldo Pinheiro, roraimense, comerciante, jornalista formado pela Universidade Federal de Roraima. Três livros publicados: "30 CONTOS DIVERSOS - Causos de nossa gente" (2003), "A MOSCA - Romance de vida e de morte" (2004) e "20 CONTOS INVERSOS E DOIS DEDOS DE PROSA - Causos de nossa gente".