Minha infância foi muito rica. Diferente dessa garotada que vive presa a celulares, Aipades, Aipedes, Aipodes e outros Ais, éramos meninos de brincar na rua e de, antes de nos assearmos para dormir na rede, evitarmos que nossas mães vissem cortes e arranhões surgidos em braços e canelas e quisessem nos castigar com aquela pazinha embebida com Merthiolate. O cara que inventou Merthiolate devia ter parte com o Demônio.
Em um só quarteirão da rua Alfredo Cruz, éramos mais de 15 crianças. Meus pais entraram com oito nessa contagem. Nossas brincadeiras eram puro desgaste de energia. Tomar banho no rio Branco, amorcegar carros que passavam por ali, roubar frutas em quintais alheios, esconde-esconde, caumôni-bói, bandeirinha, queimada, pelada... Às vezes, enquanto os dois animais descansavam e comiam o ralo capim das redondezas, roubávamos o carro de bois do seu Zacarias e, divididos em turmas, dávamos voltas pela Praça da Bandeira. Metade dos meninos puxava a carroça enquanto a outra metade fazia festa entre os fueiros do chassi do veículo. Depois, as turmas se revezavam.
Nascido Wallace Walter, mas renomeado Pinduca, dos mais novos por ali, também participava dessas brincadeiras. Pinduca morreu na semana passada e, com a morte dele, vi-me lembrando de nossa infância.
Certo dia, depois de muito pedalar, chegamos ao Lago dos Americanos, onde decidimos nadar até uma barraquinha construída lá no meio da água. Entre nós, com idade entre 12 e 13 anos, estava Pinduca, que ainda não tinha passado dos 10. Paulo, seu irmão mais velho, determinou que ele não ia enfrentar o desafio conosco.
Depois das primeiras braçadas, demos conta de que o pirralho nos seguia. Paulo grita: "Pinduca, volta, isso não é coisa pra criança!!!" Teimoso, Pinduca fazia que não ouvia. "Pinduca, volta! Tu num vai dar conta não!" E Pinduca nem se tocava. No desespero, Paulo apelou: "Pinduca volta, porra..." E arrematou: "Pinduca, volta... Depois, tu morre e chega lá em casa chorando..."
Sei que todos nós seguiremos o mesmo caminho. Apesar de sabermos que a morte é a única coisa certa nessa vida, não nos acostumamos com a danada. Pinduca morreu e, com sua partida, deixou a curuminzada da Alfredo Cruz chorando.