A cena é comum. O pronto-socorro recebe paciente ferido com gravidade. No Centro Cirúrgico, constata-se a necessidade de transfusão de sangue. Na maioria das vezes, os estoques do Hemocentro estão baixos. Atende-se o pedido, mas há necessidade de reposição, com urgência. Nem sempre conseguem.
Doar sangue pode representar a vida ou a morte de outra pessoa. Infelizmente, falta a consciência de cidadania à maioria dos brasileiros aptos a doar. Os motivos da recusa vão desde o medo de agulha – sim, existe; e muito – até a dúvida de se doar sangue engorda ou emagrece. A desinformação torna-se inimiga do bem-estar da comunidade.
Dia de chuva falta sangue
A assistente social Rafaela Pessoa trabalha do Departamento de Captação do Hemocentro de Roraima, o único do Estado. Ela convive com o problema todo dia. “Nossa equipe atua em várias frentes. Procuramos educar pela informação”, explica. Nas palestras promovidas para públicos diversos, como alunos da rede escolar ou membros de associações de bairros ou profissionais, os palestrantes tiram as dúvidas do público. Perguntas não faltam.
Como doar é decisão pessoal, a equipe capricha na estratégia. Apelam até para a panfletagem em vias públicas, pois acidentes de trânsito, principalmente de motocicleta, são o maior motivo de necessidade de sangue. O Hemocentro atende a rede pública e privada hospitalar de todo o Estado. Até o tempo interfere na captação. “Quando chove, o número de doadores naquele dia diminui”, lamenta Rafaela.
O sangue mais necessário é o O negativo, coringa na tipagem sanguínea. Serve para todo tipo de pessoa. Como a maioria da população tem o sangue O positivo, este também entra como prioritário. No entanto, a busca mais intensa é por tipos B e AB negativos, os mais raros. Importante mesmo é doar. Sempre haverá alguém necessitado do produto.
A pessoa pode doar apenas as plaquetas do sangue, extraídas por máquina em que o produto é dividido e o líquido restante retorna ao corpo. Casos de leucemia exigem as plaquetas como forma de amenizar o estado de saúde dos pacientes, a maioria deles crianças. O plasma, outro produto, atende a adultos, enquanto as hemácias servem para os demais casos.
Venezuelanos
Até dois meses atrás, a demanda era de 50 bolsas diárias. Hoje, passou a ser de 60, devido ao grande número de venezuelanos refugiados no Estado, novos usuários do sistema. A assistente social Edna Félix, do mesmo departamento, diz que vários fatores complicam o cenário. “Eles são, em grande parte, desnutridos; as mulheres engravidam com frequência e sem as condições de saúde adequadas. Com isso, ficam vulneráveis”, diz Edna. A procura é grande, sem contrapartida de doação, por falta de condições do grupo.
BOM EXEMPLO - Alexandre Barreto, engenheiro, tipo O +, doador de sangue e cadastrado como doador de medula (Foto: Fernando Quintella)
Doadores A socióloga Sinaida Castro Rodrigues está na ponta mais importante dessa demanda. Ela é doadora de sangue e de medula óssea desde 1999, quando pessoa amiga necessitou fazer transfusão e o estoque estava baixo. Ali percebeu a importância do gesto e a simplicidade do processo, indolor e seguro. Cadastrou-se no Hemocentro e mantém a rotina de doar sangue a cada três meses, máximo permitido às mulheres.
Alexandre Barreto, engenheiro da computação, também é doador de sangue (O positivo) e medula cadastrado. Faz do gesto rotina de vida. “Fico feliz em participar como cidadão”, diz. Alexandre Amaro, piloto, há pouco entrou no time de doadores. Ele tem o tipo sanguíneo denominado universal (O negativo), único capaz de ser recebido por qualquer paciente sem rejeição do organismo.