Toneladas de alimentos apodrecem em solo roraimense enquanto crianças desnutridas cofrem com o mal da fome, homens e mulheres reclamam falta de emprego e renda e se valem de programas sociais para sobreviver. A solução, mesmo que sazonal, está ao alcance das mãos.
O auge da safra é dezembro, mas, de novembro a fevereiro, cajueiros produzem pedicelos tuberizados (nome esquisito para o pseudofruto) ricos em ferro e Vitamina C, e castanhas (o verdadeiro fruto) com alta concentração de Vitamina B1, além de, segundo nutricionistas, terem propriedades para ajudar no combate ao estresse e à depressão.
Em Roraima, toda essa riqueza vai para o lixo sem que nenhuma iniciativa – individual ou oficial - seja tomada para minimizar os males citados no primeiro parágrafo desse texto.
Durante a safra, ao percorrer ruas, avenidas ou boa parte das estradas roraimenses, o cidadão se depara com cajueiros carregados de bagos que poderiam ser aproveitados in natura ou transformados em sucos, doces, licores, e castanhas que, torradas, são deliciosas. O que poderia gerar renda se perde.
(Foto: Aroldo Pinheiro)
Produção artesanal
Dorival, proprietário do Senzala’s – um dos restaurantes mais finos de Boa Vista nos anos 1970 e 1980 – gabava-se de produzir 300kg de doce de caju a partir de duas árvores que forneciam sombra para a clientela e frutos para o empresário. As castanhas, torradas e descascadas, eram oferecidas a clientes como tira-gosto; com os cajus, ele fazia doce e faturava o equivalente a quatro meses de sua conta de luz.
Ao alcance da mão
Deoclécio Ibiapina, 47, caminhoneiro, disse ter encontrado em Boa Vista cajus tão deliciosos quanto os melhores do Nordeste. Conhecedor de culinária, o sergipano faz doce com o pseudofruto e divide com colegas de profissão. “Aqui, a gente vê muito desperdíco; durante minha mais recente estada em Boa Vista, não vi nenhum moleque apanhando caju”, lamenta.
Tarados por caju
Há pessoas que são taradas por caju. O pedreiro Marcos Marcondes, 60, é um deles. De novembro a fevereiro, ele não sai de casa sem levar uma escada extensível no porta-malas do carro; ao ver cajueiro carregado, o sexagenário monta o apetrecho e colhe o quanto for possível. “A patroa faz doces e vende para amigos e conhecidos. Ela sonha em comprar uma TV de 40 polegadas só com o apurado da produção. E vai conseguir”, anima-se o maranhense.
Em 2015, em seu sítio, a 35 quilômetros de Boa Vista, Wellington Silva plantou 400 pés de caju. “São todos ‘pés duros’; neste ano, as árvores já estão medindo 1,5m; algumas até já mostram alguns frutos. No próximo ano, pretendo fabricar doce e torrar castanhas para vender na feira”, sonha o servidor público cearense.
A diarista Maria Altina Nascimento, 34, diz aproveitar-se do cajueiro que tem no quintal de sua residência e, todos os dias, durante a safra, toma suco ou os consome com sal. Enfatiza: “Também desce redondo com uma cachacinha”.
Curiosidades
O caju é um fruto essencialmente brasileiro, mais incidente no Nordeste e no Norte do País. Do Brasil, ele foi levado para a Ásia e África, onde, por questões climáticas, adaptou-se muito bem.
Quando aportaram em Terras Brasilis, os portugueses viram que os índios já consumiam e preparavam comidas e bebidas com o pseudofruto: o mocororó, por exemplo, bebida alcoólica destilada, era usada em rituais; a cajuína, suco centenário desenvolvido por indígenas do Piauí, é hoje muito apreciado.
O site www.wikipedia.com.br diz que “a mais antiga descrição do fruto é de André Thevet, em 1558, comparando este a um ovo de pata. Maurício de Nassau protegeu os cajueiros por decreto e fez o seu doce, em compotas, chegar às melhores mesas da Europa”.