Está longe o tempo em que uma pessoa que tenha ultrapassado a barreira dos 60 anos seria considerada velha. Com alimentação de qualidade e avanços da medicina, a média de vida do brasileiro vem aumentando sensivelmente. Hoje, não é raro ouvir-se falar sobre comemoração de um centenário de alguém.
Atividade física e intelectual ajudam a viver mais. E viver com qualidade.
Alpha Moura, roraimense, 90 anos completados no último 23 de fevereiro, dá um novo significado à vida por meio das artes plásticas
Filha de Antônio Luitigardis Moura, natural de Baturité, que veio para Roraima fugindo das secas em seu Ceará, Alpha é a quinta de sete irmãos.
Alpha Moura no esplendor da juventude
Ela conta que, aqui, moraram primeiramente nalgum lugar onde hoje é o bairro Mecejana. “Papai desenhou e construiu um catavento que recolhia água do igarapé, armazenava o líquido em reservatório e o distribuía para a casa. A primeira residência a ter água encanada em Boa Vista foi a nossa”, enfatiza, sem esconder o orgulho que sente do patriarca.
Gelo quente
Mais casos marcantes da infância desta roraimense? Seu Moura, como Antônio era conhecido, construiu, na avenida Jaime Brasil, imponente prédio de dois andares. O térreo abrigava bar e salão com mesas de sinuca; o piso superior era dividido em quartos que eram alugados para quem se aventurasse até a cidade mais setentrional do Brasil.
“Boa Vista ainda não era abastecida com energia elétrica quando meu pai montou a primeira sorveteria. Naquele tempo, muitos índios visitavam a cidade. Papai se divertia entregando pedaços de gelo para indígenas que, depois de algum tempo, sentindo o incômodo provocado pela pedra fria, começavam a trocar o gelo de mão e comentavam: ‘Tá quente, seu Moura’”, relata Alpha, sorrindo.
Moura Bar - primeira sorveteria do vale do Rio Branco
Aos 18 anos, Alpha começou a trabalhar como auxiliar de professora no Colégio São José. Com mais estudo, tornou-se professora e, depois, inspetora de algumas escolas locais. “Tenho orgulho por ter me dedicado ao magistério e, por meio dele, ter dividido educação e conhecimentos com centenas de pessoas”, diz.
Aos 39 anos, Alpha casou-se com Tácito Barreiros Martins, viúvo, pai de três meninas, funcionário do Banco do Brasil. Algum tempo depois, a família mudou-se para Brasília, onde Alpha passou a trabalhar no Ministério da Educação.
Em 2006, com a morte do marido, Alpha ficou muito abalada. Para ajudá-la a superar o trauma, Leda, uma das filhas de Tácito, convidou a mãe adotiva para frequentar um ateliê, onde a moça aprendia a lidar com cores, pincéis e telas. “Gostei e, ali, aprendi os princípios fundamentais da arte de retratar”, relembra.
Sem registro, sem conta
Hoje, Alpha vive em Belém do Pará. Com folga econômico-financeira, produz seus quadros pelo prazer de pintar e a venda de sua arte reforça o orçamento doméstico. “Não sei dizer quantos quadros pintei, não sei dizer quantos quadros vendi, nem tenho ideia de lugares por onde minha arte enfeita paredes. Também já perdi a conta de quantas exposições participei”, confessa a artista roraimense.
Liberdade para criar - Alpha Moura prefere retratar casarios, mas também produz belos quadros com foco em outros temas
Antenada
Como muita gente de sua faixa etária, Alpha procura acompanhar o progresso. Antenada, dá preferência ao WhatsApp como ferramenta de comunicação e, para buscar informações sobre os mais diversos assuntos, recorre à rede mundial de computadores - leia-se Google.
Utilizando a técnica de óleo sobre tela, Alpha tem preferência por telhados e casarios, mas nada impede que, de vez em quando, dê escapadas e diversifique temas.
Alpha, enfim, é dessas pessoas que dão orgulho a Roraima e aos filhos dessa terra.
Alpha + Beto
Beto Fraxe se divertia atazanando a vida de Alpha, que morava em frente da loja da familia do simpático gozador. O comerciante sempre dirigia gracejos à bela e tímida professora. Numa tarde ensolarada, quando Alpha Moura pisou a calçada da rua, rumo à escola, ouviu:
- Alpha, se um dia nós nos casarmos, nosso primeiro filho vai se chamar Alfabeto.