Mister Drops. Conheci-o quando eu ainda era criança. Nosso vizinho de frente, Zé Leitão era uma festa. Inteligente, culto, bem humorado; dava prazer conversar com ele. Não sei a origem do apelido. Lembro-me que ele viajava frequentemente para Georgetown, onde comprava de tudo para abastecer a Boa Vista dos anos 1960. O cognome certamente veio da então Guiana Inglesa.
Meu primeiro contato com Ray Charles deu-se por meio de Zé Leitão. Numa dessas viagens ao exterior, ele trouxe um compacto 45rpm, daqueles com buracão no centro; o sucesso: I can't stop loving you.
Cresci, tornei-me adulto e desfrutei do prazer de ter Mister Drops como amigo. Fomos parceiros de canastra durante muitos anos. Sortudo, bom jogador, Zé Leitão era obcecado por canastras de ases. Posso dizer que ele tinha orgasmos ao fazer uma dessas completinhas de sete cartas.
Hoje, assistindo a jogos da Copa do Mundo, lembrei-me de meu amigo e de fato interessante.
Lá pelos anos 1980. Durante um campeonato mundial de futebol, dirigi-me à serraria de seu Zé para comprar madeiras. Solzão de três da tarde. Ao ser atendido por Oziel, pedi-lhe água para matar a sede.Conduzido à residência dos Leitões – uma edícula atrás do escritório da empresa –, entrei ouvindo mais uma fantasiosa mentira do vendedor. O dono do estabelecimento, sentado à frente do televisor reclamou:
- Por favor, façam silêncio: quero prestar atenção no jogo...
Para assuntar e passar por cima de nossa falta de respeito, perguntei:
- Quanto está o jogo, seu Zé?
O empresário tirou os óculos e, dirigindo a voz para porta aberta em outro cômododa casa, gritou:
-Silvan: quanto está o jogo, meu filho?
De lá, uma voz:
- Dois a um!
Seu Zé me retransmite a mensagem:
- Tá dois a um.
Curioso, resolvi me inteirar:
- Dois a um pra quem, seu Zé?
Ele, sem desviar os olhos da telinha, recolocou os óculos e, novamente, gritou:
- Meu filho: quem está jogando?
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