Não gosto de conversar com estranhos. Quando viajo, levo comigo algumas revistinhas de palavras cruzadas e, para evitar papos chatos, me entrego aos quebra-cabeças.
No saguão do aeroporto de Brasília, esperando chamada para embarque, eu estava atracado com minha "Recreativa". "Cidade paulista, 15 letras". "Itaquaquecetuba? É, pode ser". Levantei a vista e meus olhos se encontraram com os olhos de um cara sentado à minha frente. Ele acenou. Eu respondi ao cumprimento. Abaixei a vista. "Conheço esse cara de onde?" Rei do furo, péssimo fisionomista, decidi ignorá-lo. Senti que a peça continuava me olhando. "Não vou levantar a vista. Acho que não conheço esse sujeito".
Esqueci-me de Itaquequecetuba. Já estava incomodado com o fato de não poder levantar a vista. Sentia-me preso. Preso, mas não queria dar chance ao mico.
Sede. O cara levantou-se e encaminhou-se ao banheiro. Aproveitei para enfrentar a fila da lanchonete em busca de água. Uma mão toca meu ombro. Olho. "Socorro, é ele!".
- Tudo bem? Mundo pequeno, né? – Começou o intruso.
- É isso aí, cara. – Respondi laconicamente. Minha vontade era voltar para minhas palavras cruzadas.
- Tem uns vinte anos que a gente não se vê, né? A última vez foi aqui mesmo neste aeroporto.
"Pronto. Quem é esse cara?" A mente começou a dar voltas pelo passado. Nada. Ele acrescentou:
- Encontrei-me com Narinha na semana passada. Ela ainda é apaixonada por você. Não sei porque não deu certo. Todo mundo achava que vocês iam se casar...
- Como ela está? – Arrisquei, mesmo sem me ter caído a ficha. Eu continuava sem saber quem era aquele sujeito. Também não sabia quem era essa menina apaixonada por mim
De repente, chamada para embarque no portão 9. Ele diz que é o voo dele, me dá um abraço e, antes de cruzar porta, grita:
- Tou no Face. Procura... A turma toda tá lá.
- Ok, cara, boa viagem!
Não consegui mais me concentrar em meu quebra-cabeça. Não sei mesmo quem era aquele sujeito, mas embarquei com uma vontade danada de conhecer a Narinha.
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