Nalgum dia na década de 1970. Músicas dos Beatles estouram na Europa e nos Estados Unidos, discos de Roberto Carlos e sua turma embalam festinhas de jovens do sul do Brasil; em Roraima, Heliano da Luz, líder do conjunto Golden Star, faz dezenas de jovens balançarem os esqueletos nos quentes salões do Rio Branco Esporte Clube e da União Operária Beneficente.
Boa parte desses jovens troca os últimos beijos e dá os derradeiros acochos em suas namoradas. Logo, estarão em outras capitais, em busca de conhecimentos que redundarão em vida melhor.
Entre esses jovens está José Henrique Ferreira Leite, que deixa Roraima para estudar em Belém do Pará, onde pretende conseguir um diploma de nível superior que há de facilitar o inicio de sua vida adulta.
Zé Henrique não é lá muito chegado às coisas mundanas. Tímido, enquanto seus iguais melavam cuecas dançando de rosto colado nos mingaus de sábado e domingo, o maranhense de Barra do Corda se entregava à leitura. Lia muito.
Naquele tempo, como em Roraima não havia nenhuma escola de nível médio, quem quisesse continuar estudos tinha que mudar-se para outros estados. No início de 1969, Zé Henriqe mudou-se para Belém. Instalado na Casa do Estudante de Roraima, concluiu o curso técnico de Agrimensura na Escola Técnica do Pará.
O casarão, que abrigava muitas almas sonhadoras, serviu de inspiração para que Zé Henrique pensasse em escrever um livro.
Dificuldades da vida, saudade, banzo uniam estudantes roraimenses na capital marajoara. Para não se deixar abater, Zé desenvolveu o bom humor e a disposição para aprontar com seus pares. Se pegadinhas aplicadas por ele ocorressem nos dias de hoje - cheios de mimimi e saturados de politicamente corretos - Barrasco (seu apelido dos tempos de estudante) estaria preso.
“República de Estudantes” (2019, 371 páginas, editora da Universidade Federal de Roraima, R$ 60) discorre sobre o tipo de alojamento, muito comum para pessoas que deixam seus lares para estudar fora. Preâmbulo histórico deságua no casarão de número 589, na avenida Nossa Senhora de Nazaré da capital paraense. “Levei 50 anos para realizar o sonho de publicar fatos ocorridos com os meninos de nossa república. Pena que alguns colegas, pouquíssimos, não tenham gostado de se ver nas páginas de meu livro. Fazer o quê? Sou honesto em meus relatos e fico feliz por ver que a grande maioria de ex-moradores da Casa do Estudante Roraimense do Pará tenha aprovado e festejado minha obra”, desabafa o autor.
O AUTOR, com os filhos, Diego e Malin, na noite de autógrafos (Jader Fotogrrafia)
Novos rumos
Quando, em 1973, estava no terceiro semestre de Economia, na Universidade Federal do Pará, a participação em movimentos estudantis, coisa que o governo militar condenava, forçou Zé Henrique a deixar Belém e voltar para Roraima.
Retomou os estudos em Recife, onde, em 1976, licenciou-se em Ciências Biológicas e Matemática, pela Universidade Federal de Pernambuco.
Em 2007, José Henrique graduou-se em Direito pela Faculdade Cathedral e foi aprovado no exame da Ordem .
Hoje, setentão, aposentado, três filhos, dois netos, Zé Henrique colhe os louros do sucesso de sua primeira obra e faz planos para, em setembro, lançar o segundo livro. Desta vez, poesia: “Palavras aladas”. Ele explica: “Um livro de prosa e versos atirados ao vento”.
Coisa boa há de vir por aí.