A década de 1940 começou com o mundo em guerra, na qual o Brasil só entraria mais tarde. Quando Roraima sequer era território federal (só aconteceu em setembro de 1943) e, segundo o IBGE, sua população contava umas 11 mil almas, a doença milenar mais agressiva da época atingia forte a garotada local. Era a poliomielite, responsável por rastro de mortes e deficiências graves em milhões de crianças em todos os quadrantes do Planeta.
Ainda sem a vacina salvadora, disponível apenas na década seguinte, era impossível evitar o mal. Assim, em 1944, aos dois anos de idade, Benjamin Monteiro acabou vítima da pólio. Longe de entregar-se à deficiência, o moleque procurou superar as dificuldades com otimismo.
Hoje, com 75 anos, viúvo há seis, pai de quatro filhos, outros tantos netos e um bisneto, ele continua a exercer a sua profissão com o sucesso de sempre. Nestas mais de cinco décadas na ativa, sempre na Rádio Roraima, é a voz mais ligada ao interior, marcou história como locutor do programa Mensageiro do Ar - única fonte rápida de comunicação entre a capital e os locais mais longínquos da macuxilândia.
Rotarianas em campanha ostensiva no Pátio Roraima Shopping (Foto: Rotary CLub Boa Vista-Caçari)
Homenagem
Na terça-feira, 24, Dia Mundial de Combate à Poliomielite, instituído pela Organização das Nações Unidas, Benjamin recebeu homenagem do Rotary Club de Boa Vista-Caçari, parceiro da ONU desde 1985 na luta contra a doença. A cerimônia fez parte das diversas atividades promovidas pelos rotarianos locais em razão da data, entre as quais a conscientização do público sobre a doença, tendo parceria do Pátio Roraima Shopping, com apoio deste jornaleco e da Folha de Boa Vista. Também houve doação de 700 dólares ao Programa PolioPlus, da Fundação Rotária do Rotary International, cuja arrecadação nestes 32 anos de campanha já atingiu 1,1 bilhão de dólares.
Vai pro gol
Benjamin sempre viu a doença como fato inevitável em sua vida. Nada o abalava e até futebol jogava com a molecada. No gol. Tinha lá as suas dificuldades, mas dava conta do recado. “Se eu me entregasse, estava perdido”, analisa. Antes de chegar à Rádio Roraima, Monteiro atuou como ajudante de projeção no antigo Cine Boa Vista, auxiliar no governo do ex-território até ter seu fantástico potencial de voz descoberto. Entrou no radialismo e nunca mais saiu.
Aos rotarianos, Benjamin falou sobre a importância da vacinação como combate à doença. “Aconteceu comigo porque não havia vacina disponível na época”, disse. “Então, hoje, arriscar-se a ter pólio porque deixou de se vacinar é terrível”, criticou. Dados da Organização Mundial de Saúde dão conta que, em 1985, início da parceria com o Rotary, registravam-se 350 mil casos anuais da doença em todo o mundo. Neste 2017, até a última sexta-feira, somente 12 casos foram apontados, em dois países: Paquistão e Afeganistão. Por isso mesmo, Benjamin reforça o mantra: “Vamos manter a vacinação ativa. Somente quando nenhum caso for registrado poderemos respirar aliviados”, finalizou ele.
Plínio Vicente resignou-se com a paralisia e, hoje, é referência no Jornalismo roraimense (Foto: Aroldo Pinheiro)
Eu e a pólio
Nasci em 29 de abril de 1942, em meio à II Guerra Mundial, numa pequena fazenda de Nova Europa, no interior de São Paulo. Mal sabia, entretanto, que, aos dois anos e nove meses, já morando em outra fazenda, próxima a Ribeirão Preto, iria enfrentar minha própria guerra, que dura até hoje, 75 anos depois, com batalhas que se repetem todo dia quando não o dia todo.
Numa manhã qualquer de 1944 amanheci com febre alta e 72 horas mais tarde, com minha temperatura tendo chegado a 40 graus, havia vencido a morte, mas para isso tive que pagar um preço: fiquei paraplégico. Um menino, até então sadio e forte, acabaria se tornando, naquela região, a única criança vítima de um dos maiores males do século XX.
À medida que formei consciência sobre a vida, fui me tornando um inconformado e cheguei a senti r raiva de Deus por ter-me levado a buscar meu destino por um caminho pedregoso, cheio de espinhos. Todavia, com o passar dos anos, Ele me foi mostrando quais eram seus desígnios e o que pretendia para este seu filho humilde. Como, por exemplo, me ensinar a usar a mente para substituir as pernas atrofiadas; a gostar de ler e escrever para entender o mundo e me fazer entender; e me tornar um ser humano que honrasse suas graças.
Hoje, agradeço a Deus por ter usado a pólio para me tirar do mato e me transformar em alguém que, sabendo ler e escrever, fez do jornalismo uma profissão e com ela criar uma família, dar aos filhos um futuro honrado e ter a certeza de que, um dia, serei lembrado com saudade por aqueles que me quiseram bem tanto quanto eu os quis.
Com a pólio, enfim, Deus me fez entender que há apenas três momentos na vida e deles não podemos fugir: na primeira idade apendemos a crescer; na segunda idade aprendemos vencer; e então, na terceira idade, finalmente aprendemos a viver.
Plínio Vicente da Silva - Jornalista e deficiente físico