Em Brasília (DF), no dia 27 de abril, filhos, parentes e amigos mais chegados se reuniram para comemorar o 95º aniversário de Neusa Pinheiro, cearense que viveu em Roraima por mais de 30 anos e contribuiu para o desenvolvimento nestas terras de Makunaima.
Auricélia e Adelson Henriques - filha e genro - receberam dezenas de pessoas em sua residência, no Lago Norte, em torno do cumpleaños de Neusinha (como ela é chamada pelos mais íntimos).
Natural de Farias Brito, no agreste cearense, mais velha de cinco irmãos, Neusa estudou até o 5º ano primário no internato Madre Ana Couto, em Crato - berço de Padre Cícero.
Aos 14 anos casou-se com o jovem comerciante José Pinheiro de Souza, ele, então, com 19 anos de idade.
Em Farias Brito, dona Neusa trouxe 9 crianças à luz. Secas e males advindos desse flagelo, aliados à ausência de assistência médica, mataram dois desses rebentos.
Irrequieta, sem ver futuro no Cariri cearense, ela convenceu o marido a tomar o mesmo caminho de milhares de nordestinos e tentar uma vida melhor na cidade grande: mudaram-se para São Paulo, onde um irmão de Zé Pinheiro, trabalhando como mecânico na CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos), estava “se dando bem”.
Na capital paulistana, o casal não foi muito feliz. O insucesso da mercearia aberta e a morte de mais um dos filhos, levou os Pinheiros a aceitarem convite de José Francisco da Silva - conhecido como Barrudada -, comerciante cearense que, na Amazônia, se destacava na lida com ouro, pedras preciosas e comércio varejista, e tentarem a sorte no recém criado território federal.
Em novembro de 1953, com seis filhos pendurados e um na barriga de dona Neusa, os Pinheiros desembarcaram em Boa Vista, onde, em sociedade com Barrudada, abriram loja de confecções e armarinhos: A Brasileira, na avenida Sebastião Diniz.
Em março de 1954, nasceu o primeiro filho macuxi; em junho de 1955, nasceu uma menina, último descendente dessa linhagem.
Enquanto tomava conta dos filhos e administrava o lar, dona Neusa ajudava o marido na condução dos negócios.
Determinada, ela aprendeu a dirigir veículos, tornando-se a terceira mulher a conseguir Carteira Nacional de Habilitação no Território de Roraima.
Empreendedora
Uma das meninas dos Pinheiros sofria com problemas na coluna cervical. Falta de recursos na Saúde pública riobranquense convenceram dona Neusa a buscar assitência médica em São Paulo.
Durante a estada na maior cidade do país, dona Neusa conheceu linha de perfumes e cosméticos e seu revolucionário método de vendas. Não deu outra. A cearense assinou contrato e trouxe para Boa Vista os produtos Avon. Foi única representante da marca no estado por alguns anos.
Debandada de filhos
Ainda nos anos 1960, imperava mandar a filha mais velha - que havia concluído o curso ginasial - estudar fora para adquirir mais conhecimentos.
Para fazer frente às grandes despesas que a família enfrentaria, dona Neusa, sem sequer dizer bom dia em inglês, resolveu fazer viagens para Georgetown, capital da então Guiana Inglesa, de onde trazia produtos para vender no incipiente comércio da capital, que ainda não tinha 30 mil habitantes.
Os negócios progrediram, Zé Pinheiro mudou de ramo e passou a vender autopeças, ferramentas e parafusos. No inícios dos anos 1970, com os oito filhos estudando fora do Estado, dona Neusa passou a ajudar o marido na organização e condução da empresa.
Tendo ela e o marido se aposentado pelo INSS, o comércio exigindo menos deles, e filhos concentrados em Brasília, o casal Pinheiro planejava começar a aproveitar a vida: viajar; quem sabe ir-se embora de Boa Vista para alguma cidade litorânea do Nordeste, onde ficariam perto dos parentes que haviam deixado para trás...
Em fevereiro de 1980, no dia em que os Pinheiros comemorariam o 40º ano de casamento, o coração de José parou de trabalhar. Pouco tempo depois, a viúva decidiu-se mudar para Brasília: viver ao lado das filhas.
Mais um sofrimento
Quando dona Neusa começava a se acostumar à vida candanga, um aneurisma no cérebro provocou a morte de Aurineide, sua filha mais velha, sua escudeira.
Mais uma temporada de saudade e sofrimento. Ironia: morte na capital federal, onde bons médicos, com bons equipamentos, nada puderam fazer.
Hoje, com sete filhos, sete netos, e quatro bisnetos, totalmente integrada à vida brasiliense, morando em companhia de Aurileide, uma das filhas, e recebendo visitas diárias e carinho das outras três, lúcida, bem humorada, dona Neusa irradia luz e tranquilidade.
Em vez de reclamar das limitações que o tempo encarregou-se de deixar em seu corpo, ela faz troça. Perguntada sobre a receita para chegar tão bem aos 95 anos de idade, Neusinha exibe largo sorriso e filosofa: “Acho que trabalho, sofrimento e pancadas da vida endureceram o meu couro. Como não sou de contrariar os desígnios de Deus, vou ficando por aqui até o dia em que ele quiser”.
Galeria
Com os filhos
Com os netos