Domingo, 21 Fevereiro 2021 21:18

    Na periferia, banho de cuia

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    Na periferia, banho de cuia Zé Brechador

    Por falta de pressão na água, moradores apelam para o banho de cuia

    Seis horas da manhã, Graça acorda. Ao passar pelo banheiro, bota pasta na escova de dentes, pega saboneteira, toalha e se dirige para o canto esquerdo de seu quintal, onde, debaixo de uma pitombeira, ao lado de um jirau improvisado para lavar louças e roupas, descansa um tambor plástico com capacidade para 100 litros cheio de água fresca e tratada coletada durante a noite.

    Ali, sobre um cimentado que lhe protege da lama os pés, a faxineira, usando uma caçarola para retirar pequenas quantidades de água, toma banho, faz a higiene bucal e, depois de pendurar a calcinha recém lavada em varal improvisado, entra em casa para acordar as duas filhas, de 11 e 13 anos, para também higienizar-se antes de saírem para a escola.

    Da torneira da cozinha, graças ao bom Deus, brota um filete de água que a dona de casa usa para preparar o desjejum da família.

    Como Graça, diversos outros moradores na rua Estela Celeste, no Raiar do Sol, seguem ritual semelhante. Grande parte dos imóveis situados nas regiões mais elevadas dos bairros Aracelis, São Bento e Raiar do Sol, apesar de servidos por rede de esgoto e calçamento, enfrenta problema quase diário com a falta de água. “Ela até chega, mas é tão fraquinha que não tem força pra subir nem até o chuveiro”, diz a faxineira.

    E acrescenta: “Há uns três anos, a gente reclamou com a Caer (Companhia de Águas e Esgotos de Roraima) que nos aconselhou a botar caixa para armazenar água durante a madrugada, quando ela vem com mais pressão. Usando cartão de benefícios da minha mãe, comprei reservatório de 500 litros, meu namorado, que é pedreiro, instalou tudo direitinho, mas a água dificilmente tem força para chegar lá”, resigna-se Gracinha.

    Por ali, empresas de grande porte, como é o caso da Vimezer, na rua Estrela Dalva, instalaram reservatório à altura do solo e, por meio de bomba elétrica, enviam água para reservatórios suspensos, que fornecerão o líquido com pressão ideal para suas torneiras, chuveiros e vasos
    sanitários.

    Pessoas com alguma posse seguem o exemplo dos empresários. “Um sistema desses não sai por menos de mil reais”, diz Francisco Mendes que, com seu parceiro Adenísio Queiroz, acabou de instalar gambiarra semelhante, com caixas de mil litros, no terreno de uma padaria.

    Os menos aquinhoados têm que se contentar com tanques, tambores, carotes ou baldes que acumularão o precioso líquido durante a noite para lhes fornecer pela manhã.

    Moradora que pediu para não ser identificada, diz que a única desvantagem de morar no Raiar do Sol é “esse desconforto com a água”.

    De um dos adolescentes que assistiam à entrevista feita com um morador da área afetada, a reportagem ouviu: “Eu não tenho do que reclamar... Não sou chegado a banho e, com esse problema na pressão da água, a gente consegue brechar a muiezada tomando banho pelada no quintal”.

    Consultada, a Caer ficou de dar uma resposta, mas não se pronunciou até o fechamento desta edição.

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    Aroldo Pinheiro

    Aroldo Pinheiro,  roraimense, comerciante, jornalista formado pela Universidade Federal de Roraima. Três livros publicados: "30 CONTOS DIVERSOS - Causos de nossa gente" (2003), "A MOSCA - Romance de vida e de morte" (2004) e "20 CONTOS INVERSOS E DOIS DEDOS DE PROSA - Causos de nossa gente".

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