Virou bagunça. Falta de vergonha impera nesse país. Do rádio ou da televisão, a qualquer minuto, de qualquer emissora, só se ouve falar em delações, mandados, depoimentos, prisões. Termos jurídicos se tornaram tão comuns que, noutro dia, ao dizer para o irmão que a mãe o estava chamando, a filha de minha vizinha ameaçou: “Se tu não for logo, ele vai te coercitivar”.
A honestidade foi pras cucuias. Tenho saudade de pessoas como Waldir Abdala, Petrônio [Mota] Oliveira, Eurides do Carmo Macellaro Barreto e José Figueiredo Filho, homens que sempre trabalharam em setores financeiros do então Território Federal e viveram exclusivamente de seus salários.
Pela administração do Território e do Estado passaram outros honestos, mas, pra mim, os quatro citados são suficientes para exemplificar verdadeiras mãos limpas.
José Figueiredo Filho morreu há poucos dias. Com ele, eu gostava de prosear. Algumas vezes, poucas, invadi o quintal de “seu” Figueiredo só para um cafezinho e ouvir histórias interessantes da pequena e antiga Boa Vista.
José Figueiredo chegou aqui no início dos anos 1960. Ocupou cargos de confiança em muitos governos. Isso num tempo em que, para ocupar cargo de confiança, a pessoa tinha que ser confiável mesmo.
Figueiredo, entre outros cargos importantes, foi presidente da Companhia de Águas e Esgotos de Roraima. Ele me contou que recebeu a companhia com muitas dívidas, principalmente com o INPS (hoje INSS).
Desde sua criação, administradores da empresa estatal nunca tinham se preocupado com repassasses de valores cobrados de seus funcionários para o Instituto de Previdência. A dívida estava impagável. O governo do Território contava com uma anistia que não vinha.
Sem caixa, o Instituto Nacional de Previdência Social fazia campanha para receber tudo que lhe era devido em todas as unidades da Federação. A ordem era “se não fizer acordo, cobrar judicialmente”.
E eis que, certo dia, José Figueiredo Filho recebeu a visita de Otoniel Ferreira de Souza. O oficial de Justiça explicou ao presidente da Caer que estava ali para fazer acordo sobre as dívidas com o INPS. O manda chuva da estatal respondeu-lhe que a arrecadação mal dava para pagar funcionários, que as repartições públicas não quitavam seus débitos e que, assim sendo, não havia condições sequer de propor um acordo. Otoniel foi taxativo:
- Seu Figueiredo, então nós vamos ter que penhorar alguns bens da Caer.
O presidente sorriu, olhou seriamente nos olhos do oficial de Justiça e capitulou:
- Otoniel, o terreno em que fica a administração da empresa pertence à União, os veículos que utilizamos pertencem ao governo do Território; a única coisa que pertence de fato à Caer é essa caixa d’água enorme que acabou de ser inaugurada. Pode empenhá-la.
Ao ouvir aquilo, desanimado, o oficial de Justiça deixou o gabinete do presidente e, depois de conversar com o juiz de direito, nunca mais voltou para cobrar a Companhia de Águas e Esgotos de Roraima.
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