Noite de terror: barraco com plumas e paetês

    Depois de insistentes toques na campainha, abro a janela. Através das grades do portão, vejo as portas de um carro se abrir e, dele, uma profusão de cores cintilantes e gestos espalhafatosos. Figura gorda, traços indígenas – de longe, não dá pra saber se homem ou mulher –, trajando camisa rosa em degradê, grita com voz afetada:

    – Estamos aqui para reclamar em nome da classe; podemos entrar?

    Não sei a que classe a pessoa se refere. Sou contra visitas não anunciadas. E o que vizinhos falariam depois de ver aquelas coisas invadindo meu espaço em plena madrugada?

    Acendo um cigarro e peço-lhes que me liguem pela manhã. Proponho fazermos lanche em lugar discreto, onde eu pudesse ouvir reclamações e argumentos.

    De lá detrás, um dos visitantes, alto, sessentão, cabelos acaju e barba bem desenhada, propõe: “Vamos embora, meninos. Esse velho não tá com nada”.

    Antes que puxasse a última baforada de meu cigarro e fechasse a janela, outro veículo estaciona ao lado do primeiro. Dele, surge uma mulher feiosa, cara-de-cachimbo-cru, corpo talhado com machado, que grita: “É com o senhor mesmo que nós queremos falar!”

    “Ai, meu Deus, será que esse povo tá na porta certa?”, pensei. Digo à parente de Madame Min que estava dormindo, informo-lhe o número de meu celular e peço-lhe que me ligue pela manhã. “Não muito cedo, claro”.

    Os ocupantes do primeiro carro iniciam discussão com a bruxa do segundo. Acho que se conhecem. A mulher se diz defensora dos direitos e dos bons costumes; a figura estranha – aquela que eu não sei se é homem ou mulher – afirma ser homossexual assumido e que ninguém tem nada com isso. O bate-boca continua. E eu continuo sem saber se a figura foi registrada como macho ou como fêmea, pois, sabemos, homossexual pode pertencer a qualquer gênero.

    O barraco está armado. Imagino que tipo de comentários esse quiproquó vai render a meu respeito.

    Resolvo ignorar a pequena turba. Puxo nova tragada de novo cigarro que acendi sem me dar conta e, antes de jogar fora a guimba, vejo estacionar à frente de minha casa um terceiro veículo; nele, a inscrição “Associação dos Sambistas e Pagodeiros de Roraima”. Conversei com meus botões: “Agora deu. O carnaval está feito...”

    Algumas luzes se acendem nas casas vizinhas, silhuetas se desenham em cortinas, cachorros latem. Meu celular toca escandalosamente. Estiro o braço e, ao procurar identificar a origem da chamada, vejo piscando no display: “ALARME, 8H30; OPÇÕES: DESLIGAR, SONECA”. Desperto, desligo o despertador, olho pro teto, e eu, que não creio, dou graças a Deus por tudo não ter passado de pesadelo. 

    Guerrilheiro bananeiro
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