Aroldo Pinheiro, roraimense, comerciante, jornalista formado pela Universidade Federal de Roraima. Três livros publicados: "30 CONTOS DIVERSOS - Causos de nossa gente" (2003), "A MOSCA - Romance de vida e de morte" (2004) e "20 CONTOS INVERSOS E DOIS DEDOS DE PROSA - Causos de nossa gente".
O pai morreu. Como herança, o rapaz recebeu pequeno comércio de miudezas e armarinhos. Logo, Fofão cansou de vender zíperes, botões, colchetes, fitilhos, sianinhas e colibris. Pouco dinheiro, muito pingado. Ele queria mais.
Descobriu que comprar produtos na cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén traria retorno mais rápido. Tornou-se sacoleiro. Capitalizou. Resolveu crescer. Comprou duas picapes Pampa, da Ford, e passou a investir em distribuição de petróleo.
Cinco vezes por semana, cruzava a fronteira e, na volta, trazia gasolina descaminhada da terra do eterno Hugo Chávez. Riscos de sofrer acidente fatal ou de ser preso pela Polícia Federal levaram-no a abandonar a profissão de importador informal.
Mas ele gostava de ganhar dinheiro. Se fosse com facilidade e dentro da ilegalidade, melhor ainda. Passou a trazer uísques, vinhos e vasodilatadores do país vizinho. Dava preferência à “ração pra pinto”, pois, em grande quantidade, podia ser acondicionada em pequenos pacotes e os ganhos eram altos. Lucro garantido e risco de ser pego quase zero.
Em cada viagem, ele trazia centenas de cartelas com milagrosos comprimidos de Viagra e Cialis. Em viagem para repor estoque, Fofão chegou ao balcão da principal farmácia de Santa Elena e, usando portunhol caprichado, pediu:
- Tienes Viagra y Cialis?
- Si, señor; quantos? – Respondeu a balconista, brasileira de Uiramutã, na mesma linguagem do empreendedor.
- Dá-me lo que tienes.
- Señor, se lleva todos, como fícan los venezolanos? Ele, que não gosta dos hermanos, atacou: “Que se danen. Se ellos todos brochan, no más producirán venezolanitos”.
Trinta e duas caixas de Cialis;quarenta e sete de Viagra. R$ 1.100 de lucro. “Bom demais”, festejou.
Na alfândega brasileira, ele deu azar de, por amostragem, ter o veículo revistado. Os homens da lei encontraram os vasodilatadores. Até pensou em oferecer uma propina para os federais. Achou melhor não. “Perco a mercadoria, mas recupero o prejuízo na próxima viagem”, consolou-se.
No entanto, a coisa não seria tão fácil assim. O chefe da fiscalização resolveu indiciá-lo como contrabandista de medicamentos. Ao ouvir a qualificação, ele aproximou-se da autoridade e, cheio de empáfia, bradou:
- Contrabandista de medicamentos não. Meu trabalho tem cunho social. Sou um traficante de amor.
Read MoreNa segunda-feira, bela manhã ensolarada, na frente da Assembleia Legislativa, um furdunço. Alto falantes a todo vapor, barulho demais, muito preto e muito vermelho, pensei: “Será que flamenguistas estão festejando o empate de 2 a 2 com o Corínthians?”
Chegando mais perto, vi que dois grupos distintos se misturavam em manifestações e reinvindicações diferentes: índios, por falta de tinta, usaram carvão para pintar os corpos de preto e exigiam algo do Ministério da Justiça; de camisetas e chapéus vermelhos, CUT e sei lá mais que agremiações de insatisfeitos protestavam contra a PEC 241.
A farra era grande. Das duas aparelhagens de som saíam gritos de ordem – ou de desordem – simultâneos, ferindo ouvidos, além de índios cantando e gritando numa língua que só eles entendiam (se é que entendiam). O espaço na frente da “Casa do Povo” transformou-se em ensaio para a confusão de uma torre de babel.
Estacionei meu carro e me aproximei da baderna decidido a fazer fotos. Quem sabe poderia até colher informações importantes para reportagem em meu jornaleco?
Sob apreensivos olhares de policiais militares, curiosos, fotógrafos,cinegrafistas e jornalistas se perdiam naquela confusão. Pode até ser que esse cronista esteja errado, mas ali, alguns jovens pintados de preto, com as marcas Zorba e Calvin Klein bem destacadas em cuecas que sobravam um palmo acima de bermudões, pareciam ter sido recrutados na periferia da cidade para fazer número e barulho com silvícolas de verdade. Quer dizer: tinha índio genuíno misturado com índio “hecho en Paraguay”.
Por falta de comando, índios e não índios se confundiam e ninguém mais era de ninguém. Tinha gente de camiseta e boné vermelhos segurando em pau de índio e índio botando a boca em butica de mulher de camiseta e boné vermelhos.
De repente, sem que nenhuma autoridade tivesse surgido para, pelo menos, tentar ouvir reinvindicações daquela turba, imensa nuvem negra formou-se sobre a Praça do Centro Cívico e derramou milhares de litros de água, pondo fim, por algum tempo, àquela esculhambação.
Com a roupa ensopada, sentei-me na calçada e pensei: “Os deuses devem ter achado que essa bagunça era um arremedo de dança da chuva e mandaram água pra amenizar o calor infernal que vinha fazendo em nossa cidade”.
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Cem anos de vida é muita coisa. Há poucas décadas, não se vivia tanto. Nos anos 1950 e 1960, um homem com 50 anos era considerado um homem velho. E poucos chegavam a essa idade.
Com o progresso da ciência, mais e mais pessoas chegam facilmente aos 80, 90, 100 anos. Daniel Sapateiro completou 100 anos de vida com saúde e lucidez de fazer inveja a muito Rui Figueiredo.
Conheço seu Daniel desde que me entendo por gente. No balcão da loja de meu pai, muitas vezes vendi-lhe ilhoses, botões rápidos, tachinhas, tinta Tic-Tac, mantas de vaqueta e saltos para sapatos.
Há sete anos, quando seu Daniel comemorava 65 no ofício de sapateiro, eu, jornalista, fui entrevistá-lo para reportagem no jornal Roraima Hoje. Tarde agradável conversando com o paraibano de Cajazeiras.
Falou-me sobre sua vida no Nordeste, sua vinda para Boa Vista, o casamento, a aquisição do imóvel onde vive até hoje, a alegria com o nascimento do único filho, a felicidade de ainda ter irmãos.
Na época, com 93 anos, seu Daniel disse-me ter ido a Brasília, onde participou da festa de 100 anos de sua irmã mais velha. Família longeva, Santa, a mana, morreu em 2014 com 108 anos de idade.
Durante a entrevista, seu Daniel explicou-me que raramente algum freguês deixava de vir buscar os sapatos deixados para serem reparados: “As pessoas se apaixonam por sapatos de qualidade e querem que eles durem a vida inteira”, explicou-me.
Ele não soube me dizer como fazia para encontrar um calçado deixado há muito tempo, mas disse que a mão ia certa na prateleira e buscava o que ele queria.
Lá pelas tantas, seu Daniel me perguntou:
- Você é ou foi casado com dona Maura - uma mulher bonita que trabalha na Educação?
- Sim...
- Faz tempo “que não vejo ela”...
- É, seu Daniel: Maura está morando em Brasília desde 2005; por quê?
Seu Daniel levantou-se e pegou um saco plástico na prateleira. Entregou-me o pacote e, nele, estava escrito: MAURA PINHEIRO, 03/08/2004, R$ 16,00. Sorri e rcomentei:
- Maura sempre foi desligada. Vou pagar pelo seu serviço e levar os sapatos pra ela em minha próxima viagem ao Distrito Federal.
....
Dias depois, em Brasília, abri minha mala e entreguei aquele pacote para Maura. Ela abriu o saco plástico e, ao ver o velho par de sapatos, sacudiu os ombros:
- Não entendi...
- Tu mandaste consertar esses sapatos em 2004. Seu Daniel Sapateiro me alertou sobre o esquecimento. Paguei pelo serviço e trouxe-os pra ti, pois devias gostar muito deles.
Maura não se lembrava dos sapatos. Claro, também não se lembrava de tê-los mandado para conserto e afrimou ter uma vaga lembrança de seu Daniel.
Se ela chegar aos 100 anos, certamente não terá a mesma lucidez de Daniel Sapateiro.
Read MoreVivo sozinho há alguns anos. Antes, tinha muito medo da solidão. Com a experiência, descobri que viver sozinho não é sinônimo de ser solitário. Acostumei-me de tal maneira com a situação que não sei se me adaptaria a uma nova vida a dois.
Alguém mostrou que, entre as vantagens de morar sozinho, estão a possibilidade de usar banheiro com porta aberta, beber água no gargalo de garrafas, se esparramar na cama, não ter hora para dormir nem para acordar, comer o que quiser à hora que quiser... Tem mais uma: viver nu. Adoro viver nu. Chegando à minha casa, depois que o carro cruza o limite da rua, antes mesmo de o portão se fechar completamente, tiro toda a roupa e passo o resto do tempo como Deus me trouxe ao mundo.
Portões de ferro e três metros de muro garantem minha individualidade em meu cantinho naturista.
Mas, para viver assim, neguinho tem que ser cauteloso. Situações vexaminosas podem ocorrer.
Sábado desses, em casa, nu, do jeitinho que gosto de ficar, lavei cuecas, li um pouco e, depois, ouvindo acordes emitidos por Eric Clapton, abandonei-me nos braços de Johnnie Walker - cachorro engarrafado, o verdadeiro amigo do homem. Lá pelas duas da manhã, resolvi limpar a cozinha e botar a sujeira para fora. Com poucos vizinhos, morando em rua de pouco movimento, parti para a ação do jeitinho que estava: vestido de nada. Com sacos de lixo nas mãos, acionei o comutador da entrada de visitas e dirigi-me à lixeira. “Pá” – um vento forte e sacana fechou o portão. Sem chave, sem controle remoto, como voltar pra dentro do meu terreiro?
Como um homem de 62 anos, que não pratica nenhum exercício, poderia escalar um muro de três metros de altura? E se conseguisse subir, como chegar ao chão do outro lado sem desmentir ou fraturar ossos já meio corroídos pela osteoporose?
Ali, lembrei-me que fugitivos da Pê-á usam a vizinhança como rota de fuga. “E se alguns meninos tiverem escapado e os homens vierem dar um baculejo por aqui?”, pensei.
Apavorei-me com a possibilidade de, nu, às duas da matina, tentando pular um muro, dar de cara – ou de bunda – com policiais. Até que eu explicasse que berimbau não é gaita, os tiras já teriam me colocado aos costumes, bem do jeitinho que sabem e gostam de fazer.
Na rua, caminhando de um lado para outro, pensando, lembrei-me que a casa do lado da minha estava desocupada, que o mecanismo do portão eletrônico estava desativado e que a parede entre nossos imóveis é bem mais baixa que a muralha que cerca o meu muquifo. Corri pra lá, abri o portão torcendo para que ninguém o ouvisse o impacto de ferrugem correndo pra lá e pra cá. Fiz-me de surdo para a cachorrada que latia ali perto, escalei dois metros e dez de muro e, já em casa, joguei-me na “piscínica” para controlar medo, nervosismo e batidas cardíacas. Ri da situação, tomei duas talagadas de uísque e, deitado na rede, sem me incomodar com as estupidezes que saíam da boca de Serginho Groissman, dormi. Nu, claro.
Read MoreZé Camargo chegou a Roraima com os primeiros paraibanos. Nem sabia dizer como se deu a mudança. Contava que, bebendo com amigos em Catolé do Rocha, acompanhou-os na subida em pau-de-arara. Apesar de ter medo de água, aboletou-se num ita. Sem nunca ter visto uma máquina daquelas, embarcou num DC-3. Quando Camargo curou-se do porre, estava deitado numa fianga, em quartinho safado da pensão de Dona Alice, na avenida Sebastião Diniz.
Trabalhou como ajudante de pedreiro, limpador de quintais, vigia de obra, menino de recado de putas. Nada dava certo: o vício na marvada pinga punha tudo a perder. Amigos se cotizaram e, para ele, montaram um boteco. Tinham que vigiá-lo, pois, se dessem mole, Zé Camargo entornaria todo o estoque de pinga.
Não há organismo que resista à quantidade de álcool que Camargo consumia regularmente. Um dia, em coma alcoólico, foi conduzido ao Hospital Nossa Senhora de Fátima. Chegou à casa de saúde quase morto. Seu Cosme, homem que dedicou a vida àquele hospital, e as madres enfermeiras, sempre prestativas, conseguiram trazer Camargo de volta à vida.
Seis meses internado, vivendo à base de aguadas sopinhas e secos grelhados. O paraibano recebeu alta. Antes, porém, madre Aquilina chamou- o para papo sério: “Meu filho, você tem que cortar o álcool de sua vida. Do contrário, você é um homem morto”.
Zé Camargo voltou para a direção do boteco. Resistiu nos primeiros dias, mas, logo, capitulou e retomou a vida de caneiro. Numa segunda-feira, por volta das 11 da manhã, o paraibano entornava um traçado, “pra abrir o apetite” quando deu com madre Aquilina entrando no boteco. Zé não teve tempo de esconder o copo ou disfarçar. Olhando nos olhos de cabra morta do caneiro, a irmã-enfermeira aproximou-se do paraibano e disparou:
- Seu Zé Camargo, o senhor não merece um pingo de confiança. Falta-lhe amor pela vida.
Antes que a freira abrisse o resto da ladainha, o bebum apelou:
- Madre, esse traçado é feito com quinado São Raphael, conhaque São João da Barra e cachaça São Francisco. Duvido que três santos fortes como esses prejudiquem um pobre temente a Deus como eu.
Read MoreNo início o ruído à minha volta tornou-se tão constante – e irritante – que prometi a mim mesmo que não ia aderir ao modismo.
Logo, vi que não ter o aplicativo me tornava um alienado. Capitulei e troquei meu antigo e querido aparelho celular analógico por modernoso smartphone – com tantas utilidades que, tenho certeza, não vou utilizar nem 10% delas até o dia de minha morte – e instalei o WhatsApp.
No inicio, me apaixonei pela nova modalidade de comunicação. A paixão começou a sumir no dia em que começaram a me adicionar a grupos e eu passei a receber mais de mil mensagens por dia. Destas mensagens, poucas eram aproveitáveis.
As mesmas piadinhas sem graça são enviadas por quase todos os integrantes de diferentes grupos. Mensagens de “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, “bom fim de semana”, “bom domingo” cheias de flores, animaizinhos, crianças, paisagens e músicas românticas passaram a ocupar o espaço de memória de meu aparelho e a encher de impaciência o meu saco.
Filmes de sacanagem e sexo explícito e vídeos com pegadinhas ridículas fazem parte do pacote.
Comecei a dedicar boa parte de meu precioso tempo a excluir-me de grupos que tinham me adicionado sem me consultar e deletar mensagens idiotas e desinteressantes. Comecei, também, a ter ódio do WhatsApp.
Usuários do WhatsApp acham que temos de estar prontos para ler, ver, ouvir e, se for o caso, responder às mensagens que nos enviam a qualquer hora. Há os chatos que te encontram na rua e, mostrando o display de seus aparelhos, perguntam: “Tu viste essa?”
E o aplicativo é fofoqueiro. Se você, por algum motivo, alega não ter recebido determinada mensagem, o interlocutor corta: “Recebeu sim. Às 10h43 os pauzinhos ficaram azuis. Além do mais, vi que tu ficaste on-line até as 11h37; falavas com quem?”
Já aconteceu de ouvir o sinal anunciando mensagem às três da manhã. Com filhos e mãe - de 92 anos de idade - morando fora do Estado, vi-me obrigado a despertar, revirar-me na cama com todas as dores que a coluna me dedica, pegar o celular na mesinha de cabeceira, digitar a senha do aparelho e ler: “Dormindo?” Resposta: “Estava até a hora que você me mandou a porra dessa pergunta!” Claro que a vontade de digitar um palavrão é grande.
Nada contra a modernidade. Celular é útil e WhatsApp é prático, mas, por favor, tenhamos um pouco mais de respeito como nossos semelhantes.
Em tempo: se alguém me adicionar a algum grupo depois de publicado esse desabafo, pode considerar-se meu inimigo. Belém, belém, nunca mais fico de bem.
Há muito tempo, o Departamento de Trânsito do Distrito Federal foi exemplo de bom atendimento e respeito ao público. As cidades incharam, a frota automobilística, proporcionalmente, cresceu mais do que a população, e o Detran-DF, infelizmente, parou no tempo. Perdeu a corrida.
A qualidade dos serviços deixa a desejar. Se você não madrugar às portas da repartição, dificilmente conseguirá resolver seus problemas.
Cedo, entrei na fila para vistoriar o surrado Corsa. Às 11h30, saí do veículo para alimentar pulmões e estômago. Nicotina e alcatrão para o primeiro e um salgadinho safado para o segundo.
Lá longe, vi uma figura que me pareceu familiar. Seria o Mangulão?
O corpo arredondado, a barriga proeminente, os cabelos esbranquiçados e aqueles óculos que eu não conhecia provocaram dúvidas. Os mais de dois metros de altura e o desajeitado jeito de andar, porém, me deram a certeza. Ali pertinho de mim, estava um colega de faculdade. Colega de 40 anos atrás.
Surpresa maior: ao seu lado, em vestido solto cobrindo enorme barriga, Celinha, a sua namorada dos nossos tempos de CEUB.
- Mangulão!?!?
A figura me estudou por alguns minutos e, logo, um sorriso se abriu:
- Índio? Não é possível! Celinha, ‘ocê num tá reconhecendo o Índio?
Abraços, cumprimentos, perguntas, lembranças...
- Puxa vida, estou feliz pelo reencontro. Mais feliz por saber que vocês casaram e que ainda tão fazendo menino.
Mangulão abriu um sorriso, puxou-me pro lado e confidenciou:
- Que menino que nada, rapaz. Eu tou mexendo com revenda de automóveis e tenho que vir ao Detran todos os dias. Com essas filas enormes, eu não dou conta de resolver meus negócios. – E arrematou. – Resolvi comprar uma barriga postiça para a Celinha e ela, diariamente, monta a gravidez para ter atendimento preferencial...
Com um tapa nas minhas costas, ele encerrou:
- Tu tá pensando que eu sou leso? Já faz mais de um ano que ela tá “grávida”...
É. Zé Eustáquio, o Mangulão, meu colega de faculdade, não mudou nada.
Read MoreAtendendo convite do governo, que precisava de professores para expandir a rede escolar, Erasmo Sabino de Oliveira mudou-se para Roraima. Em Boa Vista, enquanto se dedicava à educação de adolescentes, viu possibilidades de ganhar dinheiro no setor imobiliário. Se deu bem.
No final do século passado, numa dessas campanhas de governo em tempo de crise, a Caixa Econômica Federal alardeou que teria bastante dinheiro para financiar quem quisesse investir em casas populares.
Ao saber que existiria verba fácil para o setor, o empresário, destemido, resolveu que aquele seria o momento de alavancar seus negócios.
Ao ver o projeto de Erasmo, o gerente do banco federal assegurou-lhe que, depois de análise da documentação, o dinheiro seria liberado. Com aquela garantia verbal, para ganhar tempo, o potiguar resolveu iniciar a construção de seu conjunto habitacional.
Depois de um mês de desembolso, a fonte secou e o financiamento oficial não havia saído. “É questão de dias”, garantiu-lhe o gerente. Para não parar, Erasmo passou a comprar fiado o material necessário para dar andamento nas obras.
Sessenta dias se passaram e o empréstimo não tinha sido aprovado. O gerente disse que logo, logo, a grana estaria na conta do empreendedor. Desmobilizar equipes redundaria em prejuízo. Além do mais, sem reservas, como pagar rescisões trabalhistas? A saída: pedir dinheiro emprestado a agiotas e tocar o que havia iniciado.
Já bastante endividado no comércio e pendurado em mãos de agiotas, Erasmo soube que a carteira para o financiamento que ele pleiteara havia sido fechada.
Desespero. Apelar pra quem?
Ao ouvir lamúrias do empresário, Marivaldo Barçal, advogado, prometeu levá-lo a Brasília para falar com Romero Jucá. Para o influente senador, não seria difícil mobilizar a Caixa Econômica Federal e resolver o problema de Erasmo.
Passagens foram compradas com cheque pré-datado. Difícil foi convencer dona Dalva, proprietária da boutique Shalon a vender-lhe fiado um paletó.
Numa sexta-feira, Marivaldo e Erasmo embarcaram juntos para encontrar-se com o senador às oito horas de segunda na capital federal.
No gabinete, além do senador, estavam presentes uns oito homens vestindo elegantes e finos paletós pretos: os picões da Caixa Econômica Federal. Romero Jucá iniciou o discurso:
- Senhores, esta reunião foi agendada para ver se, juntos, conseguimos encontrar uma solução para o problema deste grande empresário roraimense. Erasmo enfrenta sérias dificuldades desde que a Caixa Econômica fechou uma carteira de crédito e está a ponto de parar um dos maiores empreendimentos imobiliários de nosso Estado.
Com um olhar, o vice-presidente consultou o presidente da Caixa Econômica Federal; sentindo-se autorizado a falar, dirigiu-se ao empresário:
- Quantas casas o senhor está construindo?
Apesar de nervoso, Erasmo respondeu alto:
- 55.
Os homens da Caixa se entreolharam, o senador Romero Jucá mostrou-se nervoso. O vice-presidente da instituição reinquiriu Erasmo com certo sarcasmo:
- Quantas?
Erasmo respondeu pausada e nervosamente:
- Cin-quen-ta e cin-co.
Os homens da Caixa abriram risadas, Romero Jucá ficou vermelho de vergonha; o presidente fechou:
- Senador, problemas desse tamanho, a gente resolve com um telefonema...
Erasmo ficou satisfeito com a promessa de que seu financiamento seria liberado no dia seguinte. Depois de agradecer o senador Romero Jucá pela ajuda, pediu-lhe R$ 200 reais emprestados para pagar o táxi.
- Senador, problemas desse tamanho, a gente resolve com um telefonema...
Erasmo ficou satisfeito com a promessa de que seu financiamento seria liberado no dia seguinte. Depois de agradecer o senador Romero Jucá pela ajuda, pediu-lhe R$ 200 reais emprestados para pagar o táxi.
Read MoreJosinaldo entrou no serviço público logo depois de completar 18 anos. Aos 30, funcionário de carreira, bom partido, deu mole, apaixonou-se por amazonense faceira e, quando deu fé, estava dizendo sim à pergunta feita por padre Luizinho, na igreja de São Francisco das Chagas.
Com os quatro filhos já encaminhados, Josinaldo e Patrícia resolveram pôr fim ao casamento. Nada de problema. Puro desgaste. Agora, perto de aposentar-se, Josinaldo vivia muito bem vivida a vida de solteiro e dizia que "nunca mais juntaria panos de bunda com mulher nenhuma".
Certa noite, numa dessas arapucas do destino, Josinaldo encontrou-se com Hildete – morena jeitosa que sempre lhe despertara tesão. O casamento de Detinha não ia lá muito bem e os encontros com Josinaldo passaram a ser cada vez mais frequentes.
Uns dois meses depois de iniciado o affair entre o casal de sexagenários, o divórcio de Hildete com Irineu foi homologado. Na mesma semana, sem nem virar o colchão desocupado, Josivaldo mudou-se para os aposentos da namorada.
Tudo ia bem até quando Detinha começou a ter crises de ciúmes e perturbar o juízo de Josinaldo sempre que ele saía para encontrar-se com amigos. A marcação era cerrada, as brigas se tornaram caa vez mais constantes e nosso funcionário público decidiu dar um basta à situação.
Numa sexta-feira, depois do almoço, Josinaldo explicou seus motivos e comunicou à parceira que voltaria para o seu muquifo e sua paz. Hildete não botou dificuldades, mas fez uma única exigência.
- Olha, Naldo, quando nós começamos a sair, eu tinha um homem nesta casa. Irineu só foi-se embora daqui depois que você surgiu em minha vida...
E propôs: "Você pode até ir-se embora de vez, mas só depois que eu arranjar um homem pra ocupar o seu lugar".
Não tenho certeza, pois o povo fala muito. Em mesa de bar, ouvi que Josinaldo anda doido pra encontrar um namorado para a sua ex-namorada.
No embalo desses forrós safados e de muito mau gosto, empresário de visão resolveu adaptar imensa área urbana para que aficionados se entregassem aos bate-coxas e rela-buchos. Contratou um arremedo de banda forrozeira, quatro periguetes que se diziam dançarinas, espalhou algumas dezenas de mesas e cadeiras de plástico pelo terreiro, deu o nome de Fazendinha ao mais novo point da cidade e deixou o fuzuê comer no centro.
Lá, dava gente de todo tipo. Em visita ao point, Tonhão, um amigo meu, sentenciou: "Meu irmão, eu nunca tinha visto tanta gente feia por metro quadrado".
Daniela, acadêmica de Comunicação Social na Universidade Federal de Roraima, 20 anos, mocinha de muito bom gosto, gostava da balada, mas oferecia resistência a lugares que considerava suspeitos. Lugares que pudessem "queimar o filme", como ela dizia.
Certa noite de sábado, depois de a turma zanzar sem rumo, alguém deu ideia de encerrar a farra no Fazendinha. Dani pulou fora.
- Não, não, não. Faço questão de não ir a esse lugar. Além de muito arriscado, lá só tem gente feia...
Os amigos rebateram:
- Ei, menina, nós vamos em grupo. Ninguém vai nos incomodar... Lá tem tanta gente, que tu nem vais ser notada.
Para não se tornar desmancha prazeres, Dani capitulou. Retocou a maquiagem, ajeitou a roupa e, de braços dados com dois amigos, misturou-se ao resto da galera. Ao cruzar o portão do point, a moçoila ouviu o refrão da música de boas vindas: "O Fazendinha tá cheio de quenga/ E cada hora tá chegando mais.../ O Fazendinha tá cheio de quenga/ E toda hora tá chegando mais..."
Fazer o quê? A acadêmica se entregou ao ritmo apelativo e dançou entre as "outras" quengas até o dia amanhecer.