No número 383 da rua Rocha Leal, no bairro São Francisco, o entra e sai de pessoas é constante. Lá dentro, clientes se esquivam de mercadorias e de outros clientes que, em paciente fila, esperam sua vez de passar pelo crivo da calibrada balança eletrônica, da inclemente calculadora e da simpatia de pequena senhora, proprietária do estabelecimento.
Adelaide diz ter 59 anos de idade. Parece ter bem menos. Todos os dias, de segunda a sexta-feira, das 6h30 às 18h, e aos sábados, das 6h30 às 17h30, ela e seus cinco colaboradores estão a postos para atender a freguesia. São dezenas de consumidores que vêm em busca de castanha de caju, castanha do Brasil, jaca, manga, pitomba, tachi, abacate, abio, sucos, jabá, paio, bolos, biscoitos, mingaus, pés-de-moleque, canjica, curau, pamonha, queijos manteiga e de coalho, linguiça caseira, carne de sol, galinha caipira (com certificado), pato, tucupi, jambu, manteiga Cabeça de Touro a granel, farinha de diversos tipos, cereais em geral.
O movimento é constante; a clientela é ecléctica. Produtos de qualidade, bom preço e ótimo atendimento são os atrativos da loja de Adelaide
Mas a lista de produtos da pequena mercearia não se encerrou ali em cima. Artefatos de plástico, ferro e alumínio, louças, utensílios domésticos, artesanato eítens de armarinho também se dividem entre gôndolas e prateleiras. Tudo arrumadinho, limpinho. Adelaide vende o que ninguém vende: agulha para desentupir fogão a gás, por exemplo. Quer um moinho manual para cereais? Adelaide tem. Pilão de madeira para fazer paçoca de carne? Tem também.
A clientela é variada. Peões de obras, trabalhadores comuns e empregadas domésticas se misturam com madames e executivos que apeiam de seus reluzentes veículos em busca de produtos oferecidos pela casa. Barac Bento, aposentado pelo Banco do Brasil, ex-prefeito de Boa Vista, diz frequentar o lugar “por causa da qualidade da mercadoria, dos preços, do atendimento e da possibilidade de encontrar com amigos de outros tempos”. O contabilista Pedro Cerino, do primeiro escalão do Executivo estadual, diz que, ali, ele encontra o que não se vê em outros lugares. “Além do mais, o clima da casa é contagiante”, encerra. Raul Araújo, 82, possivelmente o mais antigo carpinteiro em atividade no Estado, vem todos os dias à loja: “Tenho prazer em comprar os produtos daqui. E sempre encontro amigos da Boa Vista de antigamente”, diz, antes de montar na antiga bicicleta que vai levá-lo até sua residência, no bairro Asa Branca, do outro lado da cidade.
O carpinteiro Raul Araújo visita todos os dias a loja da Adelaide: "Venho comprar e bater papo com amigos"
Boa parte dos perecíveis vendidos na mercearia é fornecida por pequenos produtores. Com sorte, você pode dar de cara com uma senhora que traz bandejas com pequenos e frescos pacus, já ticados, prontos para serem fritos e acompanharem tragos de cerveja gelada.
Adelaide dos Reis Silva, nasceu em Zé Doca (MA). “Meu pai foi o primeiro a vir para Boa Vista, em 1973. Um ano depois, minha mãe vendeu nossos quase nada e nos trouxe para vivermos todos juntos nesse Estado”, conta.
Depois de concluir o segundo grau, casar e descasar, ficando com os três filhos, Adelaide conseguiu um box no Mercadinho São Francisco. Reforma no centro comercial feita pela Prefeitura forçou-a a procurar um ponto para dar continuidade aos negócios. E, assim, desde 2017, a maranhense atende com esmero sua distinta e satisfeita clientela.
Fiado? Risque meu nome do seu caderno
Apesar das diferentes formas de pagamento que a modernidade proporciona, as relações comerciais de Adelaide com alguns fregueses ainda se dão por meio da “caderneta de fiados”. Caderneta pé duro, raiz. Para identificar o devedor, nada de número de identidade, CPF, endereço... Adelaide conhece todos eles pelo primeiro nome e, para facilitar a identificação, a comerciante acrescenta algo marcante sobre o devedor; exemplos: Ana Maria Costureira; Bernadete da Secom; Josafá da Joana Bordadeira; etc.
Dezenas desses clientes pegam seus produtos que, depois de lançados nos cadernos, serão pagos sem data específica.
A empresária não se incomoda. Diz que fregueses mais antigos usam desse expediente e sempre quitam suas dívidas. “Teve uma pessoa que foi embora de Boa Vista e deixou de me pagar. Pra minha surpresa, cerca de dez anos depois, quando voltou pra Roraima, essa pessoa me procurou, quitou a dívida e voltou a frequentar nosso estabelecimento.