Na segunda-feira, bela manhã ensolarada, na frente da Assembleia Legislativa, um furdunço. Alto falantes a todo vapor, barulho demais, muito preto e muito vermelho, pensei: “Será que flamenguistas estão festejando o empate de 2 a 2 com o Corínthians?”
Chegando mais perto, vi que dois grupos distintos se misturavam em manifestações e reinvindicações diferentes: índios, por falta de tinta, usaram carvão para pintar os corpos de preto e exigiam algo do Ministério da Justiça; de camisetas e chapéus vermelhos, CUT e sei lá mais que agremiações de insatisfeitos protestavam contra a PEC 241.
A farra era grande. Das duas aparelhagens de som saíam gritos de ordem – ou de desordem – simultâneos, ferindo ouvidos, além de índios cantando e gritando numa língua que só eles entendiam (se é que entendiam). O espaço na frente da “Casa do Povo” transformou-se em ensaio para a confusão de uma torre de babel.
Estacionei meu carro e me aproximei da baderna decidido a fazer fotos. Quem sabe poderia até colher informações importantes para reportagem em meu jornaleco?
Sob apreensivos olhares de policiais militares, curiosos, fotógrafos,cinegrafistas e jornalistas se perdiam naquela confusão. Pode até ser que esse cronista esteja errado, mas ali, alguns jovens pintados de preto, com as marcas Zorba e Calvin Klein bem destacadas em cuecas que sobravam um palmo acima de bermudões, pareciam ter sido recrutados na periferia da cidade para fazer número e barulho com silvícolas de verdade. Quer dizer: tinha índio genuíno misturado com índio “hecho en Paraguay”.
Por falta de comando, índios e não índios se confundiam e ninguém mais era de ninguém. Tinha gente de camiseta e boné vermelhos segurando em pau de índio e índio botando a boca em butica de mulher de camiseta e boné vermelhos.
De repente, sem que nenhuma autoridade tivesse surgido para, pelo menos, tentar ouvir reinvindicações daquela turba, imensa nuvem negra formou-se sobre a Praça do Centro Cívico e derramou milhares de litros de água, pondo fim, por algum tempo, àquela esculhambação.
Com a roupa ensopada, sentei-me na calçada e pensei: “Os deuses devem ter achado que essa bagunça era um arremedo de dança da chuva e mandaram água pra amenizar o calor infernal que vinha fazendo em nossa cidade”.
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Aroldo Pinheiro, roraimense, comerciante, jornalista formado pela Universidade Federal de Roraima. Três livros publicados: "30 CONTOS DIVERSOS - Causos de nossa gente" (2003), "A MOSCA - Romance de vida e de morte" (2004) e "20 CONTOS INVERSOS E DOIS DEDOS DE PROSA - Causos de nossa gente".