de um carro. Eram os educadores do Estado de Roraima que ali se reuniam há mais de 10 dias em greve por melhores salários.
Do outro lado da praça, um homem parado, com os braços eretos no sentido dos joelhos, fazia posição de guarda sob a sombra da edícula de um restaurante.
De roupas velhas, rasgadas,cabelos formados dreads pela graxa de sujeira, mas as unhas das mãos grandes e limpas.Essa é a imagem da figura esquisita aos olhos das janelas de carros que trafegam pela movimentada “Bola do Centro” há pelo menos uma década.
Apesar de seus mais de 1,80m, cor negra azulada que reluz ao sol escaldante, o corpo sem nome passa, na maioria das vezes, despercebido por quem anda pelas calçadas do comércio.
Apesar de estar ali há tanto tempo, no mesmo lugar, ninguém sabe quem ele é, de onde veio, se tem família, documentos. “Dizem que era bom funcionário, mas as drogas o deixaram assim”, arrisca dizer o dono de uma banca de revista.
Sua mudez e indiferença ao mundo que o ignora colaboram para manter sua identidade enclausurada. De instante em instante, ele muda de lugar e limpa o suor que escorre pela testa.
Duas crianças, acompanhadas da mãe, esperam carona à sombra do mesmo restaurante. Karla, 8 anos, espia curiosa, agarrada ao braço de Maria das Graças, o movimento sem sentido
do andarilho. “Quando ele morrer, vão fazer uma estátua dele”, diz Caíque, 11 anos, interrompendo o silêncio.
O relógio avisa: são 10h40. Não demora, uma funcionária traz um marmitex e o entrega. “A gente dá comida para ver se ele vai embora. Os clientes reclamam do mau cheiro”, conta Joana Ribeiro, 47 anos, trinta deles dedicados ao restaurante.
Ele sai a passos largos e firmes em direção à praça. Ali, embaixo de uma árvore, faz a refeição com a companhia de sete pombos. Para os amigos, ele joga o arroz enquanto cata, com as mãos, pedaços de frango para comer.
Para sobremesa, um bombom artesanal entregue por uma desconhecida carregando uma cesta de outras dezenas deles. Surpreso pela gentileza, ele joga a marmita no chão, desembrulha o doce e o esconde rapidamente na boca, como se tivesse medo de alguém ver a cena.
São 11 horas. Ele sai em disparado ao mini terminal de ônibus. Lá, senta-se em um dos bancos de cimento como se fosse embarcar para algum lugar.
Às 12h18, o homem da barba longa dividida por duas tranças permanece sentado, imóvel, no mesmo lugar.
São 16h49. O sol ainda é o mesmo das 9h: queima sem dó. O homem maltrapilho que passou boa parte do dia transitando entre a praça e seu contorno, descansa debaixo de uma árvore.
Às 17h, se prepara para atravessar a rua e voltar ao ponto de onde começou seu dia. “Ele dorme, faz xixi, cocô, tudo aqui na calçada”, reclama Joana Ribeiro. Sem saber a quem recorrer, apela para a repórter: “A gente queria que alguém tirasse ele daqui. Todo dia é preciso lavar a calçada
para tirar o fedor. Ele está com a calça rasgada, às vezes põe o ‘negócio’ [pênis] pra fora”, desabafa.
À noite, na presença dos dois camburões de lixo, ele deita-se sobre a calçada. Em posição ereta, com os braços retos até os joelhos, dorme sem ser incomodado. “Quando chego às 6h30, ele já está aqui de pé”, diz Joana.
No dia seguinte, a mesma rotina. Invisível, o homem da barba e cabelos grisalhos, aparentando ter mais de 45 anos, faz o mesmo trajeto. Pra lá e pra cá, talvez espere que alguém o resgate de seu profundo anonimato.