Sexta, 30 Mai 2025 17:41

    Quem bebe água do rio Branco volta

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    Reportagem de LUIZ FELIPE JAUREGUY, publicada em 31 de dezembro de 2024 na edição impressa número 225

    Relato de um gaúcho que, há 30 anos, escolheu Roraima como sua terra 

    Uma das experiências mais extraordinárias que vivi aconteceu logo depois de eu concluir o curso de Direito, no Rio Grande do Sul, prestes a colar grau. Era um período de incertezas e expectativas, quando, de repente, surgiu oportunidade singular: encarar uma jornada para um destino tão distante e inesperado quanto Roraima. Naquele momento, nem imaginava que a cidade onde passaria minhas férias se tornaria meu lar definitivo.

    O destino, com sua lógica misteriosa, parecia traçado, conectando-me a pessoas inusitadas, criando memórias que ficariam marcadas para sempre. Passei um mês inesquecível em Boa Vista, hospedado na casa do querido comandante Gildo Oliveira, em uma cidade ainda marcada pela tranquilidade interiorana dos anos 1990.

    Ao tentar embarcar de volta em voo da FAB que sairia no final de dezembro com destino ao Rio de Janeiro, a decepção me atingiu. O voo estava lotado, e o único outro voo diário - da Varig - também se mostrava inalcançável devido à alta demanda do fim de ano.

    O que parecia ser um golpe do destino, se revelou uma reviravolta inesperada. Um telefonema alterou o rumo da história. Do outro lado da linha, comandante Plínio, recém chegado de Miami em uma aeronave particular, com destino ao Rio de Janeiro, escalando em Roraima apenas para abastecer, fez oferta que soava como um milagre. O avião, um Learjet 25, que acabara de deixar um dos diretores das Lojas Americanas na Flórida, estava vazio. No instante seguinte, ouvi um grito de meu amigo anfitrião: “Felipe, pega a mala e vamos para o aeroporto, te explico no caminho.” Eu não precisei de mais palavras. Embarquei no jatinho com um mix de ansiedade e surpresa, em direção ao Aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro.

    O voo foi uma flecha no céu, sem escalas, sem paradas. Apenas três horas e meia de viagem, mas o suficiente para me transportar para um outro mundo  Pela janela, na chegada, avistei a Baía de Guanabara banhada por tons dourados e a cidade maravilhosa se descortinando ao entardecer.

    Ao aterrissarmos,, Dona Nilcéa, minha única companheira de viagem, mulher de espírito leve e jovem, convidou-me para ficar em seu apartamento, no Aterro do Flamengo, caso comandante Plínio não conseguisse uma carona para eu seguir naquele mesmo dia.

    Ela me levou para conhecer a noite carioca, incluindo um jantar à beira da piscina do Copacabana Palace. Luxo que nenhum estudante universitário imaginaria viver. Na manhã seguinte, a aventura continuou  Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. Luiz Felipe com a esposa, Nara, e os filhos: Felipinho, Ana Luíza e Luiz Eduardo ra continuou. Parti a bordo de um Learjet 35, carona conseguida pelo amigo Plínio, desta vez como único passageiro, com destino ao aeroporto de Viracopos, onde uma nova surpresa me aguardava.

    Tarragó, o nome do comandante me chamou a atenção. Durante o voo, contou-me que seu pai vivia em Uruguaiana e fiquei surpreso ao saber que era amigo de minha família. Ele nascera de aventura de sua mãe, mas que nunca teve oportunidade ou vontade de conhecer o pai. O destino parecia brincar com suas tramas, unindo-nos por meio de uma história que transcendeu o tempo e as distâncias. Ao chegar em Campinas, comandante Tarragó, com mais um gesto de generosidade, me ofereceu ajuda para encontrar uma carona rumo ao Sul. Foi nesse instante que ele me apresentou a um outro comandante, cuja identidade me escapa, mas que me garantiu mais uma perna até Curitiba. Ao desembarcar no Aeroporto de São José dos Pinhais, no entanto, o mais improvável aconteceu: uma aeronave  Bandeirante da FAB estava prestes a decolar para Santa Maria, no Rio Grande do Sul, a apenas 380 quilômetros de minha casa. Após breve tratativa, ao tomar conhecimento que os passageiros eram parentes de militares, a mim foi franqueado um assento que restava vago.

    E assim, de uma forma que só a vida é capaz de orquestrar, minha jornada de Boa Vista a Uruguaiana se completava. Um caminho inesperado, repleto de encontros fortuitos, caronas generosas e destinos cruzados. Uma verdadeira saga, escrita pelas mãos invisíveis do acaso que me levou a lugares e pessoas que jamais imaginei um dia encontrar.

    Quem bebe água do rio Branco volta - Essa aventura foi o prenúncio do que estava por vir. Foi a grande virada de chave na minha vida profissional  e pessoal. Formado em direito, mudei-me para Boa Vista, cidade que me recebeu como quem recebe um filho perdido. Aqui, encontrei mais que um lar: encontrei um refúgio, um lugar que, com seu calor humano me abraçou de forma tão acolhedora que logo passou a ser minha casa em todos os sentidos.

    Neste pedaço de chão construí a minha vida, constituí minha família e estou realizando grande parte dos sonhos que trouxe na bagagem. Roraima se tornou o alicerce dos meus dias e o cenário de uma história que, apesar de ter começado por obra do acaso, se transformou em uma verdadeira escolha do coração. Parafraseando o poeta francês Theóphile Gautier, “o acaso é pseudônimo usado por Deus nas obras em que ele não quis se identificar”.

    Sorte no ar - por Fernando Qunitella

    No livro A Profecia Celestina, James Redfield decreta: “Coincidências não existem!” O Barão enviou-me o texto do Jauareguy. Ao lê-lo, dei razão ao James. Vamos aos fatos: Minha sogra, Nilcéa, entrou em nossa casa às 7h. Trazia consigo a mala com a qual saíra horas antes. O olhar triste mostrava decepção. Ficara de fora do avião da FAB com destino ao Rio de Janeiro, onde ainda morava. Havia muitos passageiros para poucas vagas. Ela sobrou. O jeito foi voltar, trocar de roupa, e se distrair na cozinha.

    Parece coincidência... - Preocupado, liguei para o então gerente da Infraero, Expedito. Perguntei se havia algum voo privado no aeroporto, com destino ao centro-sul. Ele confirmou um jatinho indo para o Rio, com saída em poucos minutos. A meu pedido, Expedito colocou o piloto na linha. Logo reconheci a voz. Era o Plínio, amigo de longa data. Expliquei a situação. Ele me deu 40 minutos para a vó Ceinha estar no aeroporto. Foi aquela correria. Troca de roupa, pega a mala, dirige rápido. No final, tudo deu certo. Os caronas chegaram em grande estilo e mais rápido ao destino. Só faltou a foto do grupo.

    Comunicadora nata, vó Ceinha fez questão de hospedar o outro passageiro, a quem conhecera no avião. Achou pouco. Mostrou parte da Cidade Maravilhosa ao hóspede, aí incluso programa no mais icônico hotel do país, o Copacabana Palace. Pouco depois, assim como o parceiro de viagem, veio morar em Boa Vista. Infelizmente, eles nunca se encontraram por aqui. Vó Ceinha deixou-nos em 2021, com 92 anos de muita alegria e generosidade. Santo Plínio!

    Chegando ao Rio de Janeiro - foto feita através da janela o Learjet 25

    Tirando onda à frente do Learjet 25

     

    Lido 278 vezes Última modificação em Sexta, 30 Mai 2025 18:42
    Redação

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