No próximo dia 26, meu tio Wilson de Abreu Quintella completaria 100 anos. Considerado o divertido da família, era alegria certa em qualquer ambiente, com brincadeiras e histórias impagáveis.
Na infância, no Rio de Janeiro, mamãe, três anos mais velha, ia com o irmão à escola onde estudavam, em São Cristóvão. Apesar da vigilância, durante o período de aula ele escapava em direção à Quinta da Boa Vista. Quando menos se esperava, lá vinha o fujão com o uniforme todo roxo, manchado de jamelão (em Roraima, azeitona), sua fruta preferida.
Na adolescência, levava a minha avó Neném à loucura. Algo como chegar em casa com uma fieira de rãs ainda vivas e dizer calmamente: “Mãe, eu limpo e você frita”. Também podia aparecer com uma tábua cheia de pregos enfiada na planta do pé, sentar na soleira da porta da cozinha e, tranquilo, falar, enquanto arrancava a tábua. “Não foi nada, mãe”. O susto era garantido.
Já adulto, auditor da Shell, trazia histórias deliciosas das viagens. Duas ficaram famosas. No restaurante, o tio pediu filé com fritas. O corte foi macio, mas, ao mastigar, a carne estava dura. Calmo, brincou com o garçom: “Por favor, traga outro. Este filé foi tirado do lado em que o boi se esfregava na cerca”.
Em Salvador, parou na praça para comer algo típico. Logo chegou uma mulher linda, num carro conversível. Ela encostou na banca da baiana e pediu: “Um acarajé, por favor”. A vendedora perguntou: “Quente?” A morenaça confirmou: “Quente”. Cheio de moral, tio Wilson fez o mesmo pedido. Na primeira mordida, segundo ele, viu “a Bahia de cabeça para baixo”. Quente era sinônimo de apimentado. Sem ter como cuspir o bolinho, ele comeu no desespero. Já no hotel, muitos litros de água depois, constatou o estrago no palato queimado. Passou o resto da viagem em dieta líquida. Sem pimenta.
Saudades, tio Wilson!