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Quinta, 09 Outubro 2025 07:29

O garoto propaganda

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No início, ele estava desconfiado. Olhava para o arquiteto como quem observa um sommelier numa padaria. Não via utilidade. Não via por que pagar alguém para "desenhar o que já estava na cabeça".

- Projeto? Não precisa. O pedreiro entende.

Mas o arquiteto, em vez de brigar, sorriu. Usou sua arma secreta: paciência e estratégia.

- Vamos fazer só o preliminar, depois a gente contrata o restante dos projetos —, disse, como quem oferece um gole do bom vinho a quem só toma sangria da pior qualidade.

Não empurrou o pacote completo, falou que o executivo seria visto depois. Ofereceu o estudo preliminar, mas cobrou como quem sabe o valor do que entrega.

O cliente chorou como quem compra roupa em camelô. Disse que estava apertado, que era só uma ideiazinha, que talvez nem fosse construir agora. Mas, no fundo, tinha uma faísca de curiosidade e foi ela que venceu. Porque, por mais que racionalize, ninguém resiste à vontade de ver com os próprios olhos o que, até então, só existia como intuição. E assim, fechou o estudo preliminar. Não sabia ainda que naquele instante, já estava se apaixonando.

Vieram, então, a volumetria, a planta esquemática e, por fim, o render(*). Aquele render que não mostra só a casa: mostra o sonho.

Quando o cliente viu, seus olhos se arregalaram e brilharam. Na boca, o sorriso tornou evidente que havia se apaixonado pelo que estava vendo.

Ali, naquele instante, não era mais um homem vendo um projeto. Era um homem vendo o futuro.

E o arquiteto, que até então era custo, virou investimento.

Dali em diante, não houve mais discussão sobre honorários, nem dúvidas sobre seguir adiante. A obra deixou de ser tentativa e erro. Virou roteiro. Virou planejamento.

Hoje, o mesmo cliente que desconfiava virou parceiro e amigo, um verdadeiro garoto-propaganda não remunerado da causa arquitetônica.

E anda dizendo por aí: “Fazer projeto não é gasto. É economia. É paz. E é bonito pra c***!"

E quando ele fala, ninguém discute, ele não só fala, ele mostra. Puxa o celular do bolso com orgulho, abre o render(*), e diz — “Aqui ó… Foi aqui que tudo começou.”

(*)Render é o processo de transformar modelos tridimensionais em uma imagem final realista

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Aroldo Pinheiro

Aroldo Pinheiro,  roraimense, comerciante, jornalista formado pela Universidade Federal de Roraima. Três livros publicados: "30 CONTOS DIVERSOS - Causos de nossa gente" (2003), "A MOSCA - Romance de vida e de morte" (2004) e "20 CONTOS INVERSOS E DOIS DEDOS DE PROSA - Causos de nossa gente".

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