Eduardo Marques

    Eduardo Marques

    Sexta, 05 Setembro 2025 06:46

    O projeto é um jogo de campeonato

    Fechar um projeto grande, meus amigos, não é como fazer uma cesta de três pontos e sair correndo para o vestiário. Não! Um projeto grande é um campeonato inteiro, com suas prorrogações, suas jogadas ensaiadas que desmoronam na primeira marcação e, principalmente, com seus jogadores, que precisam aprender a passar a bola um para o outro.

    O arquiteto, nessa arena, é o armador que vê o jogo inteiro. Ele desenha a jogada, organiza o time, chama a estratégia. Mas sem o cliente, a jogada não tem finalização.

    E sem estratégia para captação de recursos, não há quadra. O jogo morre nos vestiários da burocracia.

    Eu conheci clientes que achavam que um projeto se resolvia com uma assinatura e uma conversa no cafezinho. Pobres almas! A obra de verdade, aquela que transforma um terreno em um empreendimento vivo, exige um balé tático: ora se ataca, ora se recua.

    Há momentos em que se dá um passe de efeito, e outros em que é preciso segurar a bola, esfriar o jogo e repensar a estratégia.

    E o arquiteto ali, em quadra, ajustando o projeto à realidade do financiamento, às mudanças do mercado, às oportunidades que surgem na lateral da quadra. Não existe gênio solitário na arquitetura de verdade. Existe equipe. Existe jogo coletivo.

    Quando o cliente não devolve o passe, o projeto emperra. Quando o arquiteto não escuta o cliente, a jogada não encaixa. E quando nenhum dos dois olha para a arquibancada, onde estão os investidores, os parceiros, os bancos, a bola não chega nem a tocar no aro.

    Fechar um projeto grande é aceitar que a vitória não vem de um lance isolado. Vem da construção da jogada. Vem da paciência de quem entende que, para captar recursos, às vezes é preciso mudar de tática no meio do jogo. Vem do respeito ao tempo da obra, e do tempo das pessoas.

    E quando, enfim, a última bola entra e o contrato é assinado, não há quem possa dizer de quem foi a cesta. Porque a vitória, meus amigos, foi de um time inteiro que soube
    jogar junto.

    Terça, 05 Agosto 2025 07:36

    Dois projetos, dois destinos

    Não é exagero dizer que o papel aceita tudo. Já o concreto… O concreto cobra. Cobra caro. E com juros emocionais.

    Fui contratado para elaborar dois projetos muito parecidos. Dois andares, arquitetura moderna, interiores generosos, fachada imponente, uma escada que fazia pose para self e suítes com varanda. Eram casas irmãs, não gêmeas. Tinham o mesmo espírito, a mesma ambição. Mas tomaram caminhos diferentes.

    Na primeira, os clientes eram decididos. Gente que queria viver bem, mas não fazer da obra um palco de loucura. Era uma dança educada entre sonho e viabilidade. Resolveram tudo no projeto. Cada tomada, cada pilar, até o mobiliário. Não mudaram uma vírgula depois do "aprovado". E quando a obra começou, era como assistir a uma orquestra afinada. O orçamento foi seguido com disciplina suíça. O cronograma, pontual como missa de domingo. Quando entreguei a chave, havia algo de sagrado no gesto. A casa estava pronta e a vida deles também.

    Já a segunda… Ah, essa foi uma novela mexicana com roteiro de tragédia grega. O casal era do tipo "intuitivo" e aprovou o projeto com entusiasmo, mas, no fundo, só estavam brincando de arquitetar.

    A cada semana, um novo delírio: "E se colocarmos um espelho d’água aqui?" "E se invertermos a suíte com o escritório?" "E se fizermos um jardim de inverno no meio da cozinha?"
    O projeto virou sugestão. A planilha, uma ficção. A obra virou um organismo instável, mutante, uma criatura que se transformava diante dos meus olhos. E como todo mutante, ela precisava de mais: mais tempo, mais dinheiro, mais tolerância.

    Ambas ficaram lindas, mas uma delas, custou o dobro de dinheiro, levou o dobro de tempo. E consumiu o triplo da minha paciência.
    Arquitetura, meu caro, é decisão. O maior luxo de uma obra não está nos acabamentos nem nos metros quadrados: está na sabedoria de seguir o que foi pensado antes do tijolo.

    Quinta, 10 Julho 2025 13:56

    A caixa que nãp existia

    Em Boa Vista, onde o sol brilha com uma crueldade quase bíblica, há casas que nascem como promessas e morrem como enganos. A de Antônio, por exemplo, era um sonho concreto, ou seria um pesadelo? Fui eu quem desenhou o projeto — planta limpa, instalação bem dimensionada, tudo como manda o figurino técnico. Mas não assinei a responsabilidade pela execução da obra. Um detalhe, dizia ele. Um desastre, digo agora.

    Chamou-me aflito, dizendo que a pia da cozinha vivia entupida, como se regurgitasse a comida dos dias anteriores. Levei comigo o projeto hidráulico, como se fosse uma escritura sagrada, e lá fomos, de planta na mão e esperança nos olhos, procurar a bendita caixa de gordura. Onde deveria estar, nada. Nem sombra, nem tampa. Apenas terra dura, como se Deus mesmo quisesse esconder o erro.

    Cavamos como arqueólogos de um desastre doméstico. E o que achamos? Nada. Melhor achamos o nada. A caixa jamais existiu. O tubo da pia, rebelde e sozinho, jorrava direto no solo, como um vômito clandestino. Uma casa nova com vísceras podres.

    — Mas como? — perguntei, quase num sussurro de padre diante do pecado revelado.

    — A grana tava curta, meu amigo... — respondeu Antônio, cabisbaixo. — O RT foi só pra papelada. Confiei na equipe que ele indicou.

    Ah, a confiança! Essa santa que vive de véu, mas dorme com qualquer um. E como todo pecado na construção, não veio só. Descobrimos mais horrores: paredes fora de prumo e esquadro, caimento do telhado com inclinação menor que a recomendada, pontos de infiltração por todo lado, tomadas decorativas e até ralos que desaguavam... no nada.
    Em Boa Vista, sob o sol impiedoso, uma casa pode parecer forte — até a pia começar a chorar. E quando isso acontece, não há desenho que salve. Apenas a amarga lição: obra não se faz com fé cega, mas com olhos arregalados. E, no fim, tudo isso por confiar onde se deveria fiscalizar. Porque em obra, meu caro, o erro não brota: ele é enterrado — como a caixa que nunca existiu.

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