Não há nada o que falar. Sinto no corpo todo você. Em todos os lugares, você. Tudo é quente, faz calor em todas as horas do dia, todos os dias do ano.
É mais uma tarde quente de outubro. Tudo começa com o primeiro passo, a lógica fala que tudo tem um fim, só que esse fim é todo dia ou dia nenhum. Nunca chega. Os primeiros passos para algum lugar são sempre complicados e em ritmo indeciso. Ponto indefinido que só existe para aqueles que sabem que esse local arquetípico que nos ensinaram a crer não existe.
Caminho lentamente por essa infinita aleia que se horizonta para o nada. Somente caminho, caminho, caminho... Percorro a cada instante a sua extensão. Cada metro tem uma imensa itinerância de um ano-luz desse perturbador e longo solilóquio.
Sou arrastado por essa longa calçada (com uma abrupta força), arremesso mais um passo para trilhar essa vereda já tão percorrida, já gasta por tantos pés que sangraram
(e sangram) e nunca chegam ao destino. Ou será que é o destino que não chega a nós?
A alameda é a mesma de sempre, não muda nunca, como nunca muda a vida por aqui. Só vejo fragmentos delas, de vidas que não são as minhas, não são de ninguém, dessas muitas vidas que se perderam no tempo. Até porque o fim não existe, o que existe é o fim pessoal, a inexistência de toda a coerência como pessoa. Isso é o propósito da morte, o fim do eu, de você e de nós. Não esse fim que todos esperam - todos sabem que vão morrer, mas não querem morrer só. Sabemos que a morte é algo íntimo, mas queremos estar acompanhados pelo menos nesse último ato.
Meus passos a seguir me levam ao mesmo lugar de sempre. Já em movimento, acendo um cigarro. A fumaça se esvai pelas narinas, tudo se vai. O passo que dei há um segundo se foi. Cada trago é um dia a menos na vida, mas tanto faz, já subtraí tantos dias de minha vida por menos disso...
É puro e simples o andar, só seguir em frente, a sina é essa todos os dias, todas as tardes, todas as noites. Venho aqui peregrinar: um passo à frente do outro nessa vida cíclica e nada mais. Além disso, simplesmente andar.
Caminho com os olhos fixos em minhas próprias pisadas, sem perceber que o vento, o calor e a poeira borram todas elas. E cada nova pisadela é única, singular no tempo e no espaço. Sou a efêmera testemunha de mim mesmo, dessa trilha sem fim dentro do meu ser.
Embora minha idade me condene (já enfadado de tantos anos que nem sei mais quantos), não sei mais o que fazer com tudo isso. Procuro de alguma forma não pensar mais nisso: no tempo que passou, nas coisas que tanto me perturbam e singraram em mim... Essa, lá no fundo, permanecem caladas, mas num surto de rebeldia emergem e atribulam todo o meu corpo.
Mais um passo. Só mais um passo... O percurso já é tão conhecido que meus pés se movimentam sozinhos, já nem tropeçam nas pedras tão calejadas e gastas pelos tombos da vida.
Então eu me detenho e volto à tona desse sonho remissivo que de tanto sonhá-lo nem sei onde começa esse estado idílico e onde acaba o que é real.