By Aroldo Pinheiro on Segunda, 29 Junho 2020
Category: Crônica do Aroldo

Os meninos da cobra (ou a cobra dos meninos)

Início dos anos 1960. Boa Vista era uma cidadezinha pacata com menos de 20 mil habitantes. Esse era um tempo em que, por aqui, ainda nem sequer existia televisão e a meninada inventava suas brincadeiras. E que brincadeiras.

Nossa casa ficava na rua Alfredo Cruz, sub-esquina da Getúlio Vargas - uma das únicas avenidas calçadas e asfaltadas da capital do Território Federal. Moradores do Rói Couro (hoje bairro de Sâo Pedro) usavam a Getúlio Vargas em seus deslocamentos para a Jaime Brasil, onde ficava o grosso do comércio e o Cine Teatro Boa Vista, que, ao lado de jogos de basquete, vôlei e futebol de salão, na Praça Capitão Clóvis, era das poucas diversões noturnas do lugarejo.

Eu e meus dois irmãos, à guisa de diversão, cortamos uma câmara de ar de bicileta, amarramos uns 30 metros de linha que usávamos para empinar papagaio na parte do pito e, de noite, lá pelas 10 horas, por volta da hora em que terminava a sessão de cinema ou se encerrava alguma disputa na pracinha de esportes, nós jogávamos o artefato do outro lado da via e, escondidos por detrás de um muro, puxávamos o artefato que apavorou muita gente.

Dali, ríamos dos sustos que os passantes levavam. Lembro-me de seu Malaquias, que, assustado, quebrou um guarda-chuva ao querer matar a cobra. Não tenho certeza, mas dizem que, com medo da falsa jiboia, João Funga-funga borrou o fundo das calças e, por causa do vexame, perdeu a namorada.

E assim foi durante muito tempo. Enquanto nossos pais e vizinhos conversavam amenidades em fente de casa, eu, Agenor e Anchieta sacaneávamos inocentes passantes.

Numa noite de sábado, uma mulher gestante, amparada pelo marido e uma comadre, vinha do Rói Couro dirigindo-se à Maternidade de Boa Vista, que ficava ali pertinho, na rua Coronel Pinto, onde hoje está a Seplan. Irresponsáveis, nós não demos descanso à cobra. O trio de passantes entrou em pânico, a gestante, segurando a barriga, curvou-se e, gritando de dor, contorcia-se no chão.

As pessoas que conversavam na frente de nossa casa correram para socorrer a buchuda. Meus pais e uma nossa vizinha socorreram a futura mamãe e levaram-na até o hospital, onde ela já entrou parindo seu rebento.

Algum tempo se passou, mamãe voltou pra casa, investigou o caso e, com sábia investigação, chamou seus anjinhos à responsabilidade. Com alguns bolos de palmatória em nossas mãos e cortes de tesoura na câmara de ar, mamãe deu fim ao réptil que, durante algum tempo, assombrou quem passasse pela avenida Getúlio Vargas.