By Aroldo Pinheiro on Terça, 26 Novembro 2019
Category: Crônica do Aroldo

Miscigenação passarinheira

Estou ficando velho. Ainda bem que a velhice traz coisas boas. Com o passar dos anos, tenho me voltado um pouco mais para a natureza. Eu, que já matei alguns periquitos, muitas maracanãs, dezenas de papagaios, que engoli corações de beija-flores (só pra ficar ponteiro com a baladeira) e torrei corações de anuns pra fazer simpatia na esperança de traçar meninas, passo a cuidar de passarinhos.

Nessa minha fase passarinheira, a quantidade de canários-da-terra em Boa Vista atrai minha atenção. Eu que, com visgo de jaca, já cacei bem-te-vis, sanhaçus, tangarás, curiós, chicos-pretos, sabiás, não me lembro nunca de ter caçado um desses canarinhos que vemos em numerosos bandos pela cidade de Boa Vista.

Durante alguns dias, acompanhei o início da vida de quatro desses bichinhos – do nascimento ao primeiro voo ganhando o mundo. Até andei preparando terreno para que os canarinhos e seus pais se fixassem em meu terreno, mas eles partiram sem ao menos dizer adeus.

De repente, descubro o motivo de tantos canários-da-terra em Boa Vista. Descubro até que esta raça de passarinhos, com grande capacidade de reprodução, já existia por aqui, só que em menor quantidade. 

Contaram-me que, nalgum dia do século passado, a Polícia Federal deteve um homem com mais de 4 mil desses passarinhos acondicionados em lugares impróprios. Tráfico de animais silvestres. 

O criminoso foi preso e os passarinhos foram aprisionados. Das mais de 4 mil, só metade das aves estava viva. Sem lugar apropriado para mantê-las até que a burocracia autorizasse sua devolução para a Venezuela, de onde eles haviam sido capturados, fiscais e burocratas buscavam uma saída.

Com o passar das horas, passarinhos iam morrendo. No segundo dia, mais de mil sucumbiram à fome, à sede e às condições do cativeiro improvisado em que se encontravam. Eugênio Thomé, que fazia parte do conselho passarinheiro – grupo que decidia sobre o futuro dos canários-da-terra -, propôs soltar a passarinhada e torcer para que eles se adaptassem aos ares roraimenses. Até porque, no Estado, havia incidência desse tipo de aves. 

Um integrante do conselho combateu a ideia de Thomé. Disse que os canários venezuelanos, apesar de muito parecidos, apresentavam diferenças se comparados com a espécie brasileira: os pássaros estrangeiros, por exemplo, eram dois centímetros mais compridos do que os pássaros brasileiros. 

Thomé contra argumentou: "Olha, mano. O meu amigo Waldemar Johanson, alemãozão com mais de dois metros de altura, casou-se com uma caboquinha que não mede sequer um metro e sessenta e, dessa união, nasceu um menino bonito e saudável. Vamos soltar os canarinhos venezuelanos". As aves foram soltas e se integraram à natureza.

Sabendo dessa história, defendo a tese de que esses canarinhos lindos, nascidos da miscigenação entre aves brasileiras e aves venezuelanas, recebam nome científico de Eugenius Thomenandus Canariuns.