Coivara me telefonou. Estava acamado (ou seria arredado?) e precisava de minha ajuda. "Venha rápido, por favor, meu patrãozinho".
Depois de muito rodar pelo bairro, localizei a cerquinha de madeira. Desci do carro, levantei a tramela do portão e, lá no fundo do quintal, debaixo da copa de frondosa mangueira, Coivara, braço na tipoia, todo pintado com Mertiolate, Iodo ou Mercúrio Cromo, jazia numa rede suja e puída. É, ele estava arredado. Assustei-me.
- O que foi isso, companheiro?
Sebastião abriu o olho direito – o esquerdo estava cerrado por enorme hematoma – e balbuciou:
- Fui atropelado, patrãozinho...
"Como? Quando? Onde?", perguntei. Meu subconsciente estava preso a princípios de matéria jornalística. Coivara detalhou o acidente.
- Vamos atrás do fela-da-puta que lhe fez isso. – Propus revoltado.
- Não precisa, patrãozinho. O cara me socorreu, me levou pro Pronto Socorro e me trouxe pra casa. Todo santo dia, ele vem me visitar...
Elogiei o comportamento do motora. Sebastião continuou:
- O problema é que roubaram minha magrela e o rancho que eu trazia. Levaram todas as compras do mês, patrão...
- Como?
- Quando fui atropelado, uma porrada de gente cercou o lugar. O motorista me socorreu de pronto. Quando ele me colocava no carro, olhei pra minha bicicleta e o saco com as compras. Ia pedir pro Pedro Bandalha guardar minhas coisas, mas, nisso, um rapazinho de boa aparência gritou: "Pode deixar, seu Coivara. Eu sei onde o senhor mora e entrego a baique e suas compras na sua casa". Tou esperando até hoje...
E, com tristeza, concluiu:
- Já faz uma semana que eu tou nessa rede e nada da magrela ou do rancho...
....
Assim caminha a humanidade. Usando título dado a filme estrelado por James Dean, chego à conclusão de que o desrespeito pelo ser humano e apego pelas coisas materiais vêm aumentando. E muito.
Feliz Natal!