Aroldo Pinheiro, roraimense, comerciante, jornalista formado pela Universidade Federal de Roraima. Três livros publicados: "30 CONTOS DIVERSOS - Causos de nossa gente" (2003), "A MOSCA - Romance de vida e de morte" (2004) e "20 CONTOS INVERSOS E DOIS DEDOS DE PROSA - Causos de nossa gente".
Há muito tempo, o Departamento de Trânsito do Distrito Federal foi exemplo de bom atendimento e respeito ao público. As cidades incharam, a frota automobilística, proporcionalmente, cresceu mais do que a população, e o Detran-DF, infelizmente, parou no tempo. Perdeu a corrida.
A qualidade dos serviços deixa a desejar. Se você não madrugar às portas da repartição, dificilmente conseguirá resolver seus problemas.
Cedo, entrei na fila para vistoriar o surrado Corsa. Às 11h30, saí do veículo para alimentar pulmões e estômago. Nicotina e alcatrão para o primeiro e um salgadinho safado para o segundo.
Lá longe, vi uma figura que me pareceu familiar. Seria o Mangulão?
O corpo arredondado, a barriga proeminente, os cabelos esbranquiçados e aqueles óculos que eu não conhecia provocaram dúvidas. Os mais de dois metros de altura e o desajeitado jeito de andar, porém, me deram a certeza. Ali pertinho de mim, estava um colega de faculdade. Colega de 40 anos atrás.
Surpresa maior: ao seu lado, em vestido solto cobrindo enorme barriga, Celinha, a sua namorada dos nossos tempos de CEUB.
- Mangulão!?!?
A figura me estudou por alguns minutos e, logo, um sorriso se abriu:
- Índio? Não é possível! Celinha, ‘ocê num tá reconhecendo o Índio?
Abraços, cumprimentos, perguntas, lembranças...
- Puxa vida, estou feliz pelo reencontro. Mais feliz por saber que vocês casaram e que ainda tão fazendo menino.
Mangulão abriu um sorriso, puxou-me pro lado e confidenciou:
- Que menino que nada, rapaz. Eu tou mexendo com revenda de automóveis e tenho que vir ao Detran todos os dias. Com essas filas enormes, eu não dou conta de resolver meus negócios. – E arrematou. – Resolvi comprar uma barriga postiça para a Celinha e ela, diariamente, monta a gravidez para ter atendimento preferencial...
Com um tapa nas minhas costas, ele encerrou:
- Tu tá pensando que eu sou leso? Já faz mais de um ano que ela tá “grávida”...
É. Zé Eustáquio, o Mangulão, meu colega de faculdade, não mudou nada.
Read MoreAtendendo convite do governo, que precisava de professores para expandir a rede escolar, Erasmo Sabino de Oliveira mudou-se para Roraima. Em Boa Vista, enquanto se dedicava à educação de adolescentes, viu possibilidades de ganhar dinheiro no setor imobiliário. Se deu bem.
No final do século passado, numa dessas campanhas de governo em tempo de crise, a Caixa Econômica Federal alardeou que teria bastante dinheiro para financiar quem quisesse investir em casas populares.
Ao saber que existiria verba fácil para o setor, o empresário, destemido, resolveu que aquele seria o momento de alavancar seus negócios.
Ao ver o projeto de Erasmo, o gerente do banco federal assegurou-lhe que, depois de análise da documentação, o dinheiro seria liberado. Com aquela garantia verbal, para ganhar tempo, o potiguar resolveu iniciar a construção de seu conjunto habitacional.
Depois de um mês de desembolso, a fonte secou e o financiamento oficial não havia saído. “É questão de dias”, garantiu-lhe o gerente. Para não parar, Erasmo passou a comprar fiado o material necessário para dar andamento nas obras.
Sessenta dias se passaram e o empréstimo não tinha sido aprovado. O gerente disse que logo, logo, a grana estaria na conta do empreendedor. Desmobilizar equipes redundaria em prejuízo. Além do mais, sem reservas, como pagar rescisões trabalhistas? A saída: pedir dinheiro emprestado a agiotas e tocar o que havia iniciado.
Já bastante endividado no comércio e pendurado em mãos de agiotas, Erasmo soube que a carteira para o financiamento que ele pleiteara havia sido fechada.
Desespero. Apelar pra quem?
Ao ouvir lamúrias do empresário, Marivaldo Barçal, advogado, prometeu levá-lo a Brasília para falar com Romero Jucá. Para o influente senador, não seria difícil mobilizar a Caixa Econômica Federal e resolver o problema de Erasmo.
Passagens foram compradas com cheque pré-datado. Difícil foi convencer dona Dalva, proprietária da boutique Shalon a vender-lhe fiado um paletó.
Numa sexta-feira, Marivaldo e Erasmo embarcaram juntos para encontrar-se com o senador às oito horas de segunda na capital federal.
No gabinete, além do senador, estavam presentes uns oito homens vestindo elegantes e finos paletós pretos: os picões da Caixa Econômica Federal. Romero Jucá iniciou o discurso:
- Senhores, esta reunião foi agendada para ver se, juntos, conseguimos encontrar uma solução para o problema deste grande empresário roraimense. Erasmo enfrenta sérias dificuldades desde que a Caixa Econômica fechou uma carteira de crédito e está a ponto de parar um dos maiores empreendimentos imobiliários de nosso Estado.
Com um olhar, o vice-presidente consultou o presidente da Caixa Econômica Federal; sentindo-se autorizado a falar, dirigiu-se ao empresário:
- Quantas casas o senhor está construindo?
Apesar de nervoso, Erasmo respondeu alto:
- 55.
Os homens da Caixa se entreolharam, o senador Romero Jucá mostrou-se nervoso. O vice-presidente da instituição reinquiriu Erasmo com certo sarcasmo:
- Quantas?
Erasmo respondeu pausada e nervosamente:
- Cin-quen-ta e cin-co.
Os homens da Caixa abriram risadas, Romero Jucá ficou vermelho de vergonha; o presidente fechou:
- Senador, problemas desse tamanho, a gente resolve com um telefonema...
Erasmo ficou satisfeito com a promessa de que seu financiamento seria liberado no dia seguinte. Depois de agradecer o senador Romero Jucá pela ajuda, pediu-lhe R$ 200 reais emprestados para pagar o táxi.
- Senador, problemas desse tamanho, a gente resolve com um telefonema...
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