Passei muito tempo com medo de fazer o exame de endoscopia digestiva. Ouvia gente falar em dor intensa, outros no perigo de encrencar, enfim, o pânico vencia de goleada. Como resultado, eu adiava a recomendação médica sem prazo de reverter a medida.
Recentemente, meu filho, Marcus, convenceu-me a superar o medo – tudo bem, pânico. Estava na hora de cumprir a ordem, do médico, preocupado com meu aparelho digestivo quase setentão. Fiz o exame em Brasília.
Veterano em endoscopia, o Marcus garantia ser o exame indolor. Eu estaria anestesiado, embora pudesse reagir a ordens do médico. Em suma, a minha memória estaria comprometida no período de sedação, como se fosse o tristemente famoso golpe Boa Noite, Cinderela. O máximo seria eu dizer coisas desconexas, ainda sob o efeito da anestesia.
Comecei a ter memória já no apartamento do Marcão. Mas onde estavam o hospital, o médico, os auxiliares? Como eu parei ali? Lembrava apenas de colocar um protetor bucal a pedido da anestesista, nada mais.
O Marcão, aos risos, contou como ocorreu o pós-exame. Levaram-me para sala de repouso, onde eu me recusava a abrir os olhos. Nem por isso fiquei impedido de chamar um táxi, pois precisava ir ao rodízio de pastéis no Pressão Alta - restaurante em Miguel Pereira, no Estado do Rio. Ainda irritado, fiz discurso contra a baderna promovida por bandidos travestidos de torcedores do meu Flamengo, na final contra o Independiente, da Argentina, dias antes. Só depois de muita confusão abri os olhos e fui para o carro.
Ri da história, mas pensei na situação de pacientes acompanhados da esposa no exame. Sem controle da língua, poderiam relatar possíveis relações extra-conjugais sem o menor constrangimento. Na certa, receberiam o resultado do exame com a intimação da ação de divórcio do casal...